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Portugal Textil
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27 de jun. de 2022
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«Começa-se a sentir um abrandamento forte por causa da guerra»

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Portugal Textil
Publicado em
27 de jun. de 2022

A guerra na Ucrânia começa a fazer-se sentir na procura junto da indústria têxtil e vestuário (ITV) portuguesa, revela o presidente da ATP – Associação Têxtil e Vestuário de Portugal, numa entrevista concedida ao Portugal Têxtil à margem da conferência “Têxtil do Futuro – Desafios para o crescimento sustentável”, organizada pela APLOG – Associação Portuguesa de Logística, com o Museu da Moda e dos Têxteis como pano de fundo. Os custos energéticos são outro entrave ao crescimento, com Mário Jorge Machado a defender a flexibilização da legislação laboral e o regresso do layoff simplificado para que as empresas possam manter-se competitivas.


Mário Jorge Machado


Mais a médio prazo, o setor terá de se preparar para o pacote legislativo para a sustentabilidade nos têxteis que está a ser finalizado em Bruxelas e que, embora seja um desafio, Mário Jorge Machado acredita que pode trazer vantagens para Portugal.

Atualmente a indústria têxtil e vestuário enfrenta grandes desafios, do aumento dos custos energéticos à escassez de algumas matérias-primas, com a ATP, e outras associações, a pedirem apoios por parte das entidades governantes. Que análise faz da situação?
Tem dois lados. Por um lado, a Comissão Europeia e o Governo português estão sensibilizados para o problema, mas o lado negativo é que as ajudas que estão a propor são pequenas para a dimensão do problema. Para além de estarem a demorar muito tempo a chegarem às empresas, o anúncio das ajudas já foi feito há quase um mês e às empresas ainda não chegou ajuda nenhuma. Mas a que vai chegar também vai ser em pequena dimensão para a dimensão do problema. Aquilo que deveria ser feito era uma ajuda maior. Aquilo que estávamos a pedir era que dessem 70% ou pelo menos 50% da diferença do custo para ajudar as empresas a ultrapassarem esta fase. Vão dar 30% estamos a tentar aumentar essa ajuda porque as empresas que são fortes consumidoras de energia, nomeadamente da parte elétrica e do gás, estão a passar momentos muito difíceis para chegar ao final do mês e conseguir cumprir os compromissos com fornecedor de eletricidade, fornecedor de gás, fornecedores de químicos, fornecedores das matérias-primas e salários. É muito difícil com o aumento que teve a componente energética.

Com conhecimento de causa, uma vez que é também presidente de uma empresa com atividade na área do enobrecimento têxtil, que tem sido muito afetada, como é que no dia a dia as empresas ultrapassam essas dificuldades?
Aquilo que muitas das empresas estão a fazer é diminuir os dias de trabalho durante o mês. Nós também pedimos ao Governo que fosse aplicado um regime de layoff às empresas que pudessem ajustar os seus dias de trabalho para trabalharem menos dias, concentrarem a produção para ter melhor eficiência energética no ligar e desligar de equipamentos. Uma medida que toda a gente diz que salvou milhares de empregos, que foi excelente para o país [durante a crise de covid] e agora essa medida é malvista pelo Governo e tem uma má imagem na opinião pública? Não dá para perceber.

Pela positiva, as exportações continuam a subir.
As exportações subiram nos primeiros meses, mas eram situações antes da guerra. Começa-se a sentir um abrandamento forte por causa da guerra. Portanto, para além dos custos, neste momento, a guerra já está a ter impacto na procura.

Como vê, então, o futuro próximo?
Voltamos à mesma situação: o Governo tem duas ferramentas importantes, as ajudas diretas, que foi aquilo que pedimos em Bruxelas – ainda recentemente estive a falar com o comissário europeu Thierry Breton [responsável pelo mercado interno], em que mais uma vez reforcei essa situação das ajudas diretas às empresas. Mas também em Portugal temos a questão de maior flexibilidade em termos de um regime especial, como houve na pandemia, porque as empresas têm que ter flexibilidade. Temos um tipo de lei que não se adequa àquilo que é a realidade que estamos a viver. Situações de crise energética, situações de uma guerra, se foi adaptado para o covid, agora temos que adaptar-nos às situações que permitam uma maior flexibilidade. Aquilo que estamos a pedir é algo que existe em Itália, na Alemanha, em Espanha, nos outros países europeus todos. A nossa legislação é que torna o nosso mecanismo de flexibilidade inconcebivelmente mau em termos de permitir às empresas terem este tipo de flexibilidade. Porquê? Porque quando se fala com os trabalhadores, os trabalhadores estão perfeitamente disponíveis, porque percebem que a sua flexibilidade é que vai permitir salvar os seus postos de trabalho, portanto, têm plena consciência dessa situação. A bolha política em Lisboa é que não tem essa consciência.


Mário Jorge Machado, Luís Graça, Marco Carvalho, António Braz Costa e Américo Azevedo


Referiu na sua intervenção na conferência “Têxtil do Futuro – Desafios para o crescimento sustentável”, organizada pela APLOG, as novas diretivas da União Europeia. Que alertas pode deixar aos empresários?

Temos dois pontos complementares, que estão interligados. Primeiro é percebermos que vem aí uma grande quantidade de legislação sobre a produção e sobre o passaporte digital dos produtos têxteis. Estamos a falar de legislação que vai sair para ser aplicável a partir de 2024. Pode haver alguns atrasos, é normal, para dar algum tempo de adaptação, mas estamos a falar de situações a dois/três anos, é algo muito rápido. Portanto, é muito importante as empresas começarem a procurar saber e a informarem-se, perguntarem nas respetivas associações o que é que está a acontecer, que legislação está a sair. Por outro lado, este tipo de obrigatoriedade vai estender-se a todos os produtores que estão fora da Europa e, portanto, vamos poder estar num terreno de competição um pouco mais equilibrado. Se nós, produtores europeus, nos adaptarmos mais rapidamente à legislação, podemos ter um fator competitivo em que as marcas vão ser obrigadas a comprar a quem cumpra essas situações. Portanto, há aqui uma ameaça e há uma oportunidade.

Como é que as associações estão a intervir nesse processo?
Nós, nas associações e, nomeadamente a nível da Euratex, estamos a procurar influenciar a Comissão Europeia. Ainda há dias estive em Bruxelas exatamente a participar em alguns grupos de trabalho para procurar influenciar a Comissão Europeia nas decisões que são menos impactantes para as empresas, mas que tem como objetivo final conseguir chegar ao passaporte digital da peça de vestuário. Esses requisitos – que está previsto englobar energias renováveis, fibras recicladas, a componente social da produção do artigo – estão a ser construídos agora. As associações vão procurar influenciar o processo e o modelo, as leis que vão ser criadas neste espaço de dois anos. As leis ainda não foram criadas e, nós, nas associações, vamos procurar mostrar as vantagens e aquilo que é exequível em termos das leis que vão ser aplicadas às empresas, mas é preciso estar muito atento. As marcas vão ser obrigadas a informar o consumidor final e vão ser obrigadas a informar quantas peças é que chegaram ao final da coleção e não venderam. Vão ser responsáveis, nomeadamente, pelas peças que importam, portanto, estamos aqui a falar de uma grande alteração que vai acontecer ao longo destes próximos dois anos.

Que desafios e oportunidades podem advir daí para a indústria portuguesa?
Aqui a grande oportunidade tem muito a ver com esta situação de os consumidores terem de ser informados sobre as peças que estão a comprar e quão sustentáveis essas peças são. A imagem que Portugal tem em termos dos produtos que faz é já muito positiva a nível mundial. Continuarmos a construir a imagem de um país que produz de uma forma sustentável, quer do ponto de vista ambiental, quer do ponto de vista social, essa transparência para o consumidor final pode ser uma grande mais-valia para o país, para que os distribuidores e as marcas queiram comprar os produtos que são feitos pelas empresas portuguesas. Podemos colocar-nos como a fábrica avançada em termos de respondermos nas situações da sustentabilidade e também naquilo que vai ser muito importante, que é produzir de acordo com as necessidades, portanto, a continuação da proximidade, da resposta rápida, dos modelos de comunicação entre empresas e da interligação entre as empresas vai continuar a ser muito importante no futuro.
 

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