A Alta Costura e a reaproximação da natureza
Num mundo dominado por relatos cada vez mais alarmantes sobre a destruição dos nossos oceanos, glaciares e vida selvagem, quase toda a temporada da Alta Costura foi dominada por um elemento central: a natureza.
Das gigantescas marcas francesas globais às novas marcas de terras distantes - praticamente todas fizeram referência à natureza de uma forma ou de outra. E, para esta temporada de primavera-verão 2019, isso não significava apenas bordar milhares de flores de tecido.
Na Valentino, que apresentou a coleção de maior destaque desta temporada, o estilista Pierpaolo Piccioli pediu às suas costureiras para batizarem pessoalmente cada peça em homenagem a uma flor. A maioria das modelos eram negras, e Naomi Campbell desfilou o último look, um casaco de organdi, crinolina e capuz, chamado "Chocolate Dhalia". Metade do elenco tinha pequenas pétalas de tecido literalmente coladas às pestanas, uma façanha da maquilhadora Pat McGrath.
A Chanel realizou um espetáculo ensolarado dentro da Villa Chanel, uma imitação de casa de campo toscana, localizada num belo jardim no interior do Grand Palais, a transbordar de laranjeiras e palmeiras e terraços com relvados e piscina. A noiva até usou um fato de banho de lantejoulas e véu quando desfilou no gran finale. Não foi Karl Lagerfeld, de 85 anos, que saudou o público após o espetáculo, mas o seu braço direito, Virginie Viard. Esta foi a primeira vez que Lagerfeld não pôde comparecer a um desfile da Chanel e isso deu que falar nesta Semana da Alta Costura.
A Chanel publicou posteriormente uma declaração dizendo que Karl Lagerfeld estava "cansado demais" para comparecer. No entanto, apesar dos boatos de que não estaria bem, os amigos do designer insistem em dizer que está muito longe de estar à beira da morte.
Na mesma noite, não foi possível deixar de observar que Giorgio Armani, de 83 anos - que tradicionalmente saúda o público do desfile na entrada da passarela - fez uma longa caminhada de um minuto em cada um dos salões do Hôtel d’Evreux, onde apresentou a sua coleção Armani Privé.
Armani e Jean-Paul Gaultier lideraram outra tendência significativa: a Ásia. Como no luxo em geral, os clientes chineses ocupam cada vez mais assentos nos principais desfiles de moda. Armani fez referência ao grande e dramático filme anti-fascista "O Conformista", de Bernardo Bertolucci, recordando a sua estética Art Déco dos anos 30, embora com bordado chinês e chapéus de cortesã de Xangai. Enquanto Gaultier, com uma arte mágica de desconstrução, reinventou o quimono para o século XXI com um toque de super-heroína.
Ulyana Sergeenko levou-nos numa excursão pelo interior da Rússia. E, de facto, um dos elementos mais interessantes do seu desfile de moda foi, para ser franco, o belo vídeo que o apresentou no Théâtre Marigny, nos Champs-Elysées.
Filmado pela lendária fotógrafa Ellen Von Unwerth, este mostrou lobos selvagens, belos garanhões brancos, mansões tolstoianas, casas de Chekhov e uma série de belas russas a expressarem emoções maravilhosamente melodramáticas. O filme provocou um estrondoso aplauso do público estranhamente reduzido de apenas 200 pessoas. O teatro ficou meio vazio e é melhor perguntar ao departamento de relações públicas da estilista o motivo.
Depois do vídeo, as modelos apareceram num belo cenário: uma floresta de bétula prateada do tipo que só se encontra na Rússia, capturando a alma poderosa e os intensos olhos cinzentos do mistério russo.
Outros designers focaram-se em estrelas e flores, como Bertrand Guyon, da Schiaparelli, em memória à juventude da fundadora, que admirava as galáxias com o seu tio astrónomo em Milão. A coleção foi intitulada "Florea Ursae Majoris”, ou "Dream of Star’s Flowers". O resultado, no entanto, foi uma miscelânea de ideias: mangas em balão com mini-vestidos, casacos gigantes estampados com mapa-mundi e finalizados com mangas turquesa, e um vestido violeta em forma de bolha de plumas, ao qual se esqueceram de adicionar as mangas. Tudo, de uma forma incompreensível, complementado por botas de cowboy.
Ronald van der Kemp
A alta costura é conhecida por ser o grande laboratório da moda e um dos grandes pesquisadores que será sempre amado é Ronald van der Kemp. Toda a sua coleção foi focada em upcycling, usando materiais recuperados, e o criador recebeu uma receção muito calorosa do público no término do desfile, realizado na embaixada holandesa em Paris. As suas roupas são mais intrigantes do que belas e mais inovadoras do que mágicas, mas os seus vestidos grandiosos cheios de ironia e as suas calças de chauffeur de corte impecável em azul escuro foram perfeitas.
Julien Fournié
A Semana da Alta Costura não apresenta apenas grandes marcas internacionais. Também representa uma oportunidade para ver verdadeiros designers independentes que criam peças únicas para clientes particulares. Assim como Julien Fournié, cuja coleção apresentada no famoso templo protestante de Paris L'Oratoire du Louvre se concentrou principalmente na segunda pele de couro. Vestidos cortados em pele de porco com estampado de leopardo, um elegante vestido de noite em pele de rena azul safira, outro em pele de cobra antracite. Julien Fournié deixa claro que fará apenas uma cópia de cada; em para fazer outras peças, precisa de esboçar uma nova ideia no seu iPad. Algo em que é extremamente bom, já que foi um dos 40 artistas (incluindo David Hockney) convidados pela Apple para a sua conferência de lançamento em Brooklyn em outubro do ano passado.
Azzi & Osta
Os mais novos talentos do Líbano são Azzi & Osta, uma dupla talentosa que apresentou uma coleção cujo tema era a Rota da Seda Chinesa. Formados pela escola de moda Esmod, em Beirute, e ex-membros da equipa criativa do estilista mais famoso do país, Elie Saab, George Azzi e Assaad Osta apresentaram um vestido leve de hortelã, delicadamente bordado com um padrão de salgueiro chinês, dando continuidade ao tema da natureza em Paris. Durante a sua apresentação no Hôtel de Crillon, também vimos uma magnífica túnica com um trabalho em pérolas de metal que lembrava um ícone bizantino. O vestido foi batizado "Theodora", em homenagem à imperatriz, e a sua coleção tinha de facto qualidade e estilo imperial.
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