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24 de fev. de 2022
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Adeus, ò Deusa de Lisboa!

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24 de fev. de 2022

A sapataria histórica da Baixa de Lisboa, A Deusa, situada no número 9 da rua 1.º de Dezembro, foi despejada na quarta-feira (16 de fevereiro) após uma decisão favorável ao senhorio, que pretende fazer aí um hotel, deixando no desemprego três funcionários com idades entre os 58 e 60 anos, que toda a vida se dedicaram à sapataria. A Deusa foi fundada em 1951, pelos irmãos Neves, e vendia sapatos de senhora, sobretudo de fabrico nacional. O atual proprietário José Fiandeiro resgatou-a da extinção em 2018, começando depois da sua reestruturação a vender também marroquinaria e acessórios.


Fachada da sapataria histórica que desaparecerá da Baixa de Lisboa para dar lugar a um hotel de capital estrangeiro - Lojas Com História


José Fiandeiro, ao leme da loja, foi avisado há cerca de uma semana que teria de abandonar o navio, deixando para trás A Deusa, depois de o Tribunal da Relação ter dado provimento a um recurso de uma ação de despejo interposta pelo senhorio.

Segundo a Lusa, "a empresa entrou em insolvência há anos, tendo sido homologado pelo tribunal, em 2018, um plano de recuperação que envolve pagamentos à Autoridade Tributária e à Segurança Social, que estavam a ser cumpridos. Entretanto, o senhorio do edifício, 'um fundo imobiliário estrangeiro' (Rossio Place) interpôs em tribunal, em 2019, uma ordem de despejo da loja, o que lhe foi negado em primeira instância", acrescentou.


Interior da sapataria histórica A Deusa, preservado desde a sua fundação em 1951 - Lojas Com História


Assim, num tempo em que de norte a sul se descura o património histórico português, substituindo-o por novos e despropositados volumes de betão e cimento que desonram a tradição, cultura e identidade lusas, vai desaparecer mais uma ninfa do Tejo, desta vez a sapataria histórica A Deusa que evoca os feitos e saberes buscados à Índia por um caminho marítimo inédito, evocado no baixo-relevo de autor desconhecido de uma deusa hindu, que diferencia o interior da loja. Mas também é minimizado o savoir-faire português procurado pelo mundo inteiro, que A Deusa expunha e comercializava.

A sapataria com os dias contados será substituída por mais um novo hotel de capital estrangeiro, tal como lamenta José Fiandeiro, assegurando que o senhorio pretende transformar o edifício "em mais um hotel numa Baixa que já não tem comércio nem gente, porque os mais velhos ou morrem ou são empurrados dali para fora".


O baixo-relevo de uma deusa hindu é o ex-libris da loja - Lojas Com História


Segundo o site do próprio projeto Lojas Com História: "O ex-libris da loja é o baixo-relevo em verde de uma deusa hindu, decoração que não ofusca a elegância das cadeiras em cabedal branco, ou os ritmos geométricos criados pelas caixas de cartão características do comércio tradicional".

É caso para perguntar ao Tribunal e à Câmara Municipal de Lisboa (CML), que distinguiu o espaço supostamente para preservação: para que serve a classificação de imóveis e de zonas históricas se depois são tão facilmente maltratados e destruídos?!

Resta a esperança de o Rossio Place ser sensível à história e preservar a fachada, com duas montras assentes em mármore claro com néon cor-de-rosa, assim como os elementos da decoração de interiores salientados pelo referido projeto da CML.
 

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