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Estela Ataíde
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4 de jan. de 2019
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Advertências chinesas mostram que guerra comercial de Trump começa a afetar os Estados Unidos

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Reuters
Traduzido por
Estela Ataíde
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4 de jan. de 2019

Nos Estados Unidos, as vendas fracas das gigantes da tecnologia e agricultura Apple e Cargill são um testemunho dos efeitos negativos da guerra comercial contra a China do presidente Donald Trump, que quer reorganizar a dinâmica do comércio mundial, o que poderá isolar e enfraquecer os Estados Unidos no cenário internacional.



A Apple, gigante mundial em tecnologia altamente valorizada pela elegância dos seus produtos, anunciou na quarta-feira resultados trimestrais dececionantes devido a vendas fracas na China. Na quinta-feira, a Cargill, uma negociante de grãos, também divulgou resultados mais fracos do que o esperado na China.
 
A China, a segunda maior economia do mundo, registou um crescimento de 6% no ano passado, marcando uma desaceleração em relação aos anos anteriores - nos últimos meses, também teve a sua menor taxa de crescimento desde a crise financeira mundial de há uma década.

A guerra comercial entre os Estados Unidos e a China sufoca a esperança de dez anos, cultivada pelos líderes empresariais e líderes económicos, de que o aumento do poder de compra dos consumidores chineses fomentará uma nova era crescimento global sincronizado.

A forte desaceleração da economia chinesa e a debilidade de vários outros países também poderiam fazer dos consumidores americanos, cujos gastos representam mais de dois terços da atividade económica nos Estados Unidos e que, até agora, tinham tendência para gastarem generosamente a sua renda crescente, o principal baluarte contra uma desaceleração mundial generalizada.
 
"Há uma incoerência entre o papel dos Estados Unidos como locomotiva da economia mundial e o objetivo político da administração Trump, que visa reduzir o défice comercial", decifra Catherine Mann, economista-chefe do Citi e ex-economista-chefe da OCDE.
 
"Estamos a observar de perto este equilíbrio entre a força da atividade interna e a fraqueza da atividade externa" nos Estados Unidos, na Alemanha e noutros lugares", explica, bem como "a eficácia da política chinesa para reverter a tendência atual da sua economia interna".

Outros fatores que impulsionam o crescimento americano, incluindo as despesas governamentais e corporativas e as exportações líquidas, estão em declínio - ou espera-se que estejam nos próximos meses.
 
De acordo com os especialistas, a economia dos EUA, a mais eficiente do mundo, deverá desacelerar após um ano de 2018 bastante sólido, mas deverá manter-se firme até meados de 2020, altura em que os economistas consultados pela Reuters esperam que estabilize numa taxa de crescimento de 1,8%. Em outubro, o Fundo Monetário Internacional reduziu a sua previsão de crescimento mundial para 2019 para 3,7%, justificando este declínio com a guerra comercial, e em dezembro o Citi reduziu a sua previsão para 3,1%.

Ainda há um ano, pensava-se que as principais economias do mundo se iriam desenvolver juntas, mas agora o caminho parece mais instável do que o esperado: os consumidores americanos são favorecidos pelos cortes nos impostos e as despesas governamentais, enquanto o resto do mundo sente mais dificuldade em acompanhar.

Neste clima de incerteza, as empresas reduziram os seus investimentos - que poderiam impulsionar o crescimento a longo prazo -, enquanto governos de todo o mundo se debatem com os seus elevados níveis de endividamento e crescentes necessidades de infraestruturas.
 
Um mercado em alerta

Os aumentos nas taxas de juros da reserva federal americana levaram os investidores a entrar e sair de vários mercados, afetando profundamente determinados mercados emergentes e provocando uma forte volatilidade no mercado de ações dos EUA e um período de vendas que, segundo os analistas, durou vários meses e faz temer uma recessão iminente.
 
As ações da Apple Inc. caíram 9,96% na quinta-feira, o nível mais baixo desde meados de 2017, após a empresa ter reduzido as suas previsões de vendas.
 
O anúncio da Apple fez lembrar o declínio do mercado tecnológico em 2000, que precedeu uma ligeira recessão. "Isto faz realmente lembrar qualquer coisa", diz David Rosenberg, economista da Gluskin Sheff + Associates Inc, afirmando que a deterioração das perspetivas do setor de produção chinês vai pesar sobre a economia global.

Na quinta-feira, um representante da reserva federal americana declarou que os novos aumentos de impostos planeados devem ser suspensos, pelo menos até que este conjunto de problemas seja resolvido à escala global. "Eu seria a favor da inércia... nos dois primeiros trimestres do ano", disse Robert Kaplan, presidente da reserva federal de Dallas. Em dezembro, executivos da reserva federal previram mais dois aumentos neste novo ano.
 
O isolamento dos Estados Unidos

Embora Trump tenha definido o dia 1 de março como a data limite para um acordo comercial com Pequim, as preocupações estendem-se para lá da China - especialmente na Europa, onde não foi alcançado nenhum acordo sobre o Brexit a menos de três meses da fatídica data de 29 de março.

Mas, o impacto da China é enorme. O crescimento chinês alimenta uma série de indicadores mundiais, como petróleo, os metais e os microchips, que orientam as decisões de investimento e de despesas em todo o mundo. É cada vez mais evidente que as tensões entre as duas maiores economias do mundo abalaram a confiança das empresas e enfraqueceram as intenções de investimento.

Algo que poderia significar uma mudança em relação à maior parte de 2018, quando a maioria dos economistas declarou que as tarifas aduaneiras mais elevadas introduzidas pela administração Trump ainda não haviam afetado a economia dos EUA. Kevin Hassett, conselheiro económico da Casa Branca, declarou na quinta-feira que a queda acentuada do crescimento económico chinês afetará os lucros americanos, mas que as vendas da Apple e de outras empresas deverão recuperar uma vez que o acordo comercial seja concluído.

O setor de produção americano começou a desacelerar e a sondagem realizada na segunda-feira pelo Institute of Supply Management junto de diretores de compras das empresas mostrou o maior declínio mensal desde dezembro de 2008, em plena crise. Um inquérito trimestral da reserva federal de Dallas sobre as empresas do setor da energia evidenciou uma desaceleração acentuada no final de 2018.

"O resto do mundo está a abrandar, particularmente a Europa e a China, mas os Estados Unidos têm impulso suficiente”, garante Mohamed El-Erian, conselheiro económico principal na Allianz. "O problema é que os decisores não têm consciência suficiente de que a volatilidade do mercado pode ter um impacto negativo na economia global."

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