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Helena OSORIO
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23 de fev. de 2023
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Andrés Fernández (Mango): "A nossa estratégia sustentável obriga os criativos a virarem-se para as fibras alternativas"

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Helena OSORIO
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23 de fev. de 2023

A Mango tem grandes ambições para 2030. Apresentada em dezembro passado, a nova estratégia de desenvolvimento sustentável da marca catalã inscreve a Responsabilidade Social Corporativa (RSE) nos seus valores corporativos e modelo de negócio, como pano de fundo para todos os seus outros projetos. Nos últimos 20 anos, a Mango tem vindo a construir gradualmente a sua equipa dedicada à proteção do ambiente e das pessoas, que conta agora com 20 colaboradores. A etiqueta Committed foi substituída por um código QR informativo, foi publicada a lista completa dos fornecedores de tecidos e acessórios da empresa, foi lançada há alguns dias uma primeira coleção em denim reciclado e reciclável… Sem dúvida: a marca espanhola está em plena transformação responsável. Para se informar melhor, a FashionNetwork.com encontrou-se com o seu diretor de Desenvolvimento Sustentável e Sourcing desde 2020, Andrés Fernández. Este engenheiro industrial formado pela Universitat Politècnica de Catalunya integrou a empresa há 11 anos e ocupou vários cargos de responsabilidade no departamento de compras antes de assumir as suas funções atuais.


Andrés Fernández, diretor de Desenvolvimento Sustentável e Sourcingna Mango - Mango


FashionNetwork.com: Quais são as mudanças concretas que irão afetar a produção com a nova estratégia de sustentabilidade da Mango?

Andrés Fernández: No ano passado, a Mango apresentou uma nova estratégia para 2030 com objetivos de sustentabilidade ainda mais ambiciosos, afetando o vestuário e os processos em toda a empresa. Para atingir o nosso objetivo, estamos a construir sobre três pilares. Em primeiro lugar, a utilização de fibras alternativas, mais amigas do ambiente ou recicladas. Até 2025, todo o algodão das nossas coleções será de origem sustentável, todo o poliéster será reciclado e todas as fibras celulósicas serão de origem controlada. Em segundo lugar, a escolha de processos de produção que ajudem a minimizar o impacto ecológico dos produtos, reduzindo a utilização de produtos químicos e água, como na nossa coleção circular de ganga.

O terceiro pilar é o desenho circular, que por sua vez envolve três linhas de ação: criação de peças de vestuário com padrões mais simples, feitas de uma única fibra ou com menos acessórios, para facilitar a reciclagem. Em segundo lugar, produzir peças de vestuário mais resistentes, selecionando materiais com propriedades físicas certificadas pela AITEX, reforçando a estrutura das peças de vestuário e favorecendo desenhos intemporais. Finalmente, otimizar a utilização das matérias-primas e a reciclagem dos resíduos têxteis.

FNW: Será que esta evolução terá impacto nas suas práticas ou na conceção dos seus produtos?

A.F: Esta nova estratégia está a forçar os designers a procurarem fibras alternativas que estão a ser desenvolvidas no sector. Para que isto aconteça, precisamos de poder contar com o apoio dos nossos fornecedores, pois são eles que nos dão acesso aos resultados de toda esta I&D.

Isto tem implicações no processo de conceção das peças de vestuário e na forma como são produzidas: alfaiataria de fibra única, a remoção de acessórios como rebites ou etiquetas em crosta de couro, alterações nos processos com a utilização de tecnologias de produção que reduzem a utilização de produtos químicos e água, e a utilização de tecnologias 3D para reduzir o número de protótipos produzidos.

FNW: Quais são os principais desafios na implementação desta estratégia?

A.F: O design circular representa uma nova forma de trabalhar para todos os departamentos: design, compras, produto... O primeiro desafio é a formação: durante o desenvolvimento do produto e durante todo o processo de fabrico, as nossas equipas estão constantemente a aprender. Têm de formar, adaptar-se, reunir todos os seus conhecimentos relacionados com o design ecológico e manter-se atualizadas com todas as inovações neste campo em constante evolução.


Campanha da primeira coleção de denim reciclado e reciclagem da Mango - Mango


FNW: Como é que as coleções e peças ecológicas são recebidas pelos seus clientes?

A.F: As coleções e vestuário mais ecológicos são apreciados pelo público, mas na minha opinião, a sustentabilidade não deve ser um argumento de compra para os nossos clientes, mas sim um pré-requisito para as marcas. Os clientes precisam de comprar roupas de que gostam, que sejam de boa qualidade, etc. A sustentabilidade não deve ser um critério de escolha. É um compromisso que nós, como empresas, temos de assumir. Na Mango, os clientes amam os nossos designs, a qualidade dos nossos produtos, o preço não é um argumento. No fim de contas, se uma peça de vestuário é bela e de boa qualidade, se lhe agrada e se parece sustentável, o preço já não é realmente um critério.
 
FNW: Esta transição tem impacto sobre o preço dos produtos?

A.F: A sustentabilidade não é um ponto de venda, é um valor acrescentado. Alguns processos ou fibras podem levar a preços mais elevados, como o algodão reciclado, devido à complexidade dos processos envolvidos. Mas alguns aspetos, tais como a eliminação de acessórios desnecessários, permitem-nos compensar. À medida que o tempo passa e conseguimos mais economias de escala, o custo final acabará por baixar. Quanto mais fibras recicladas houver, mais competitivos serão os preços, como aconteceu há alguns anos com os algodões ecológicos.

FNW: Está a ter dificuldades em obter materiais responsáveis?

A.F: Nos últimos anos, a procura de materiais mais amigos do ambiente tem crescido exponencialmente. Estes materiais são portanto mais difíceis de encontrar por várias razões: por um lado, porque muitas empresas precisam deles ao mesmo tempo e a oferta é insuficiente; e por outro lado, porque os custos continuam a ser mais elevados do que os das fibras tradicionais, mesmo que tenham diminuído significativamente nos últimos anos. O processo de produção destas fibras continua a ser mais complexo e caro.


A manequim americana Indira Scott na última campanha da Mango - Mango


FNW: Tenciona deixar de usar couro e substituí-lo por outros tipos de fibra no futuro? Em caso afirmativo, porquê?

A.F: De momento, não estamos a considerar a possibilidade de nos afastarmos do couro, pois não existem alternativas a este material natural que sejam equivalentes em qualidade e preço. As peles que usamos, que representam uma percentagem muito pequena dos nossos produtos, são todas fornecidas pelo Leather Working Group: podemos garantir que são fornecidas de forma responsável através da implementação das melhores práticas durante a produção e o curtimento. Além disso, todos os materiais animais que utilizamos no nosso vestuário e acessórios estão em conformidade com a nossa política de bem-estar animal e provêm de animais destinados à cadeia alimentar humana.

FNW: Uma pergunta por vezes perturbadora para as marcas têxteis: como promover o consumo e o respeito pelo ambiente ao mesmo tempo?

A.F: O vestuário e o calçado são produtos básicos para uma economia estável. A estratégia é assegurar que a conceção, produção e utilização sejam tão amigas do ambiente quanto possível.

É por isso que é essencial que as empresas tenham um departamento de sustentabilidade com uma visão global, para estabelecer um roteiro a seguir ao longo de toda a cadeia de produção. Na Mango, este departamento existe desde 2022. Para nós, a sustentabilidade é um compromisso que a indústria da moda deve assumir para promover uma sociedade mais justa e para reduzir o seu impacto ambiental.

É igualmente importante que os esforços não sejam apenas individuais, mas também colectivos. As empresas estão a unir esforços e a formar coligações e associações no sector, como o Pacto da Moda, o Acordo Internacional, a Carta da Moda da ONU ou a Asociación para la Gestión del Residuo Textil, da qual a Mango é atualmente a presidente.

Precisamos de devolver o poder aos consumidores. Quanto mais bem informados estiverem, mais poderão agir e tomar decisões informadas. É por isso que a Mango está gradualmente a retirar a etiqueta Committed do seu vestuário e a substituí-la por um código QR que conduz à nossa página Web, onde pode encontrar informações sobre a composição, local de criação e fabrico do produto, com o objetivo de proporcionar valor acrescentado e transparência aos nossos clientes.

FNW: Que investimento irá a empresa fazer para implementar a sua estratégia de sustentabilidade para 2030?

A.F: Não divulgamos dados de financiamento para projetos internos da empresa.
 

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