Por
Portugal Textil
Publicado em
29 de mai. de 2019
Tempo de leitura
5 Minutos
Download
Fazer download do artigo
Imprimir
Text size

As lacunas entre o ensino e a realidade da ITV

Por
Portugal Textil
Publicado em
29 de mai. de 2019

A pouca preparação dos estudantes, a falta de equipamentos e a excessiva burocracia foram apontadas como os principais entraves ao desenvolvimento do ensino para os sectores têxtil e da moda, na manhã de terça-feira, no Instituto Politécnico do Cávado e do Ave, em Barcelos.


Sónia Seixas, Maria João Félix, Carlos Costa, Vasco Pizarro, Francisco Rosas e Eugénia Miranda


“O Ensino Superior em Design de Moda e Têxtil em Portugal, qual o Futuro?”, foi o mote lançado, no IPCA, em Barcelos, pela estudante de mestrado em Design e Desenvolvimento de Produto Sónia Seixas. No evento com o formato de mesa redonda, deu-se voz às empresas (Riopele e Pizarro), às instituições de ensino (IPCA e Universidade do Minho (UM) e aos designers (Francisco Rosas, Susana Bettencourt e Marita Setas Ferro).

Numa altura em que a indústria têxtil e vestuário enfrenta a escassez de mão de obra, estarão as empresas, as instituições de ensino e os designers a trabalhar de mãos dadas pelo crescimento do setor?

A palavras das empresas

Para Carlos Costa, responsável pelo departamento de desenvolvimento da Riopele, existem grandes dificuldades de integração no mercado de trabalho, seja de estudantes de cursos técnicos, superiores ou profissionais. «As pessoas saem com uma expetativa muito grande relativamente ao que vão fazer e deparam-se com várias dificuldades para as quais não estavam preparadas. Há pouca transpiração e muita inspiração», afirmou.

Vasco Pizarro, diretor de marketing da Pizarro, acrescentou que, quando alguém é contratado, «vem com vontade de trabalhar, mas esbarra um pouco no que os clientes querem de nós e nas limitações dos processos». Vasco Pizarro recorda que a empresa organiza anualmente um concurso para aproximar os designers da indústria. «Uma das componentes é a comerciabilidade do produto. Muitas vezes, os alunos queriam fazer coisas que não se adequam ou irreais. Além disso, uma das coisas mais difíceis para o aluno é à pressão diária, que pode por vezes assustar», apontou.

Além disso, o responsável pelo departamento de desenvolvimento da Riopele acredita que se perdeu uma parte essencial da formação, que deveria começar pelas matérias-primas. «Toda esta parte passou para segundo plano, só descobrem isso com experimentação. Eu demoro três anos a formar uma pessoa dentro da empresa», contou. Para Carlos Costa, o modelo formativo de medicina funciona «porque eles no primeiro ano estão a aprender dentro do hospital com o mestre. Em Portugal, no têxtil, perdeu-se o conceito de mestre. As pessoas saem da escola a achar que sabem mais do que as pessoas que estão na fábrica há vários anos», lamentou, admitindo que, para colocar em prática este modelo no sector, seria necessário investimento estatal.

O ponto de vista dos designers

Francisco Rosas, que já trabalhou na Hermès, Valentino e Prada, é atualmente diretor criativo da Meam, da Concreto e da RDD, onde, em conjunto, acolhe cerca de 15 estagiários anualmente. «Há designers que desenham para eles próprios e isso não funciona. Têm que entrar no ADN da marca e isso leva tempo. Se não se adaptarem, o melhor é criarem a sua marca própria», avisou. Para o designer, os primeiros seis meses são os mais complicados. «Ao trabalhar neste sector, o designer tem que ter um conhecimento bastante grande de matérias-primas, cor, … o que não acontece. Nos primeiros seis meses, simplesmente não são produtivos. Esse período devia ser antecipado com parcerias entre empresas e instituições de ensino», defendeu.

Já Susana Bettencourt enquadra-se no perfil de designer, mas também de docente, já que, além de gerir a sua marca própria, leciona no Modatex e na UM. A designer usou como termo de comparação os seus estudos na Central Saint Martins, em Londres. «Antes de ir para o Reino Unido, fiz um curso de costura e modelagem durante um ano. Isto falta hoje em dia. Podíamos começar por aí», assegurou. Para Susana Bettencourt, «uma das grandes lacunas é a motivação. Passam quatro anos do curso sem saber o dom deles. Devíamos ajudá-los nisso e a fazer o portfólio e o currículo», explicou, apesar de admitir que, com os atuais 30 alunos por turma e a predominância dos trabalhos de grupo, seja difícil para os estudantes desenvolverem o seu próprio portefólio.

Também Marita Setas Ferro, criadora da marca Marina Moreno, advogou que «é necessária uma grande estruturação do ensino do país». Tendo como um dos maiores desígnios da sua marca a sustentabilidade, a designer considera que há pouca formação nesse aspeto. «Quando vamos falar da sustentabilidade, não é só dos materiais. É onde e como produzimos e se as pessoas com quem trabalhamos estão a ser bem pagas ou não. O material é importante, mas há toda uma serie de fatores mais importantes», destacou.

O olhar das instituições de ensino

Por sua vez, Eugénia Miranda, sócia gerente da ARTS&skills, que aposta em cursos de curta duração para áreas especificas do sector, reconheceu que dificilmente conseguem dar resposta aos pedidos das empresas têxteis. «No sector têxtil-lar, por exemplo, pedem-nos designers dessa área. Dificilmente temos pessoas para isso. Diariamente solicitam costureiras e engenheiros têxteis, fiadores, tecelões, modelistas… e não temos resposta», revelou.

António Rui, diretor do Curso Técnico Superior Profissional (TeSP) de Design de Moda, do IPCA, acredita que a maior parte dos problemas lançados em debate estão a ser respondidos pelos cursos TeSP, que são «uma pré-licenciatura. É necessário oficinas, nós temos. Materiais também temos e temos também uma distribuição da carga horária garantindo que os estudantes têm, por exemplo, sextas-feiras inteiras para usufruírem das oficinas», esclareceu.

Para a docente da UM, Graça Guedes, há três grandes lacunas no ensino de têxtil no país: a falta de cultura dos alunos, a escassez de equipamentos e a falta de informação acerca do mercado. Graça Guedes defendeu a criação de uma espécie de casa de design, a funcionar 24 horas por dia, para os alunos poderem, por exemplo, fazer protótipos. «É preciso criar uma nova geração de empresários. Para isso, precisamos de estruturas em que os alunos possam aprender», afirmou, apelando à união dos vários agentes: «Precisamos de interagir. É mais produtivo, interessante e cada um pode dar o seu contributo», concluiu.

Copyright © 2024 Portugal Têxtil. Todos os direitos reservados.