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31 de mar. de 2020
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COVID-19: Máscaras e toucados de panos africanos só 100% algodão

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31 de mar. de 2020

Se na Europa o material de proteção escasseia, mais difícil será encontrá-lo em alguns países de África, como em Angola que decretou sexta-feira (27 de março) o estado de emergência, embora ainda com menos de 10 casos activos de COVID-19.
 
E, porque não, recorrer às coloridas capulanas que chegaram aos países do centro e sul do continente africano, entre os séculos IX e X, por via de trocas comerciais entre persas e outros povos?!


Panos africanos em Luanda de várias proveniências - Facebook


Mas, não só em África as capulanas têm êxito. A moda destes panos africanos perdura como uma tendência estética urbana, nos antigos países colonizadores, desde sempre com comunidades significativas de povos africanos e afro-descendentes, como a Bélgica, Brasil, França, Holanda, Portugal e Reino Unido. Em Portugal, como no Brasil, as influências chegam mais fortemente de Angola com maior percentagem de afinidades, como povos irmãos mais chegados.
 
A nova guerra

Atualmente, com a economia de guerra que a pandemia do coronavírus COVID-19 impõe, muitas fábricas de calçado, cosméticos e têxteis estão a adaptar as linhas de produção para dar resposta à falta de equipamento médico e produtos higiénicos. As grandes marcas, como a Armani, Canada Goose, Chanel e Gap, entre dezenas de outras, dão o exemplo, encontrando-se já a produzir esse material tão necessário (aventais, batas, macacões e máscaras para pacientes e profissionais de saúde).
 
Por mais esforços que façam as empresas, o surto ganhou tais proporções que infecta e mata aos milhares, sem olhar a gregos e a troianos (como se costuma dizer). A maioria do pessoal de saúde, em Portugal, está a reciclar e a improvisar as próprias máscaras para se proteger devidamente, não obstante as que chegam aos milhões da China e parecem escassas à procura. Os cidadãos comuns nem têm outro remédio se não inventar ou improvisar formas de proteção pessoal.
 
Daí, o secretário-executivo brasileiro do Ministério da Saúde, João Gabbardo dos Reis, orientar as pessoas para usarem máscaras alternativas e deixarem as produzidas pela indústria para os profissionais de saúde. 
 
 “A máscara, para a população, (…) é uma barreira física. Faz com pano. Quem não tem outra alternativa, faz com pano. Pega um tecido, coloca um elástico”, disse Gabbardo, numa comunicação à imprensa. 
 
Se a situação de Portugal é crítica e a do Brasil não é melhor, a de Angola poderá vir a ser pior ainda, se bem que o governo angolano foi mais perspicaz, decretando medidas antecipadas, mal foram registados os três primeiros casos de COVID-19: Fechou as fronteiras, controlou os viajantes, proibiu deslocações.


Cada qual no seu quadrado, à espera de vez, como testemunho da imaginação e civilidade do povo angolano na Kaala (província do Huambo, Angola). - Facebook

 
O estado angolano
 
Angola, atualmente com duas vítimas mortais, um caso recuperado e sete ativos de COVID-19, confirmados segunda-feira (30), já havia decretado o estado de emergência, quarta-feira, (25) e, tão-somente, com três casos confirmados. O estado de emergência que passou a vigorar, sexta-feira (27), é agora ilustrado em inúmeros vídeos publicados nas redes sociais que comprovam a violência vivida nas ruas de Luanda, a capital, desde que o exército faz cumprir as imposições do estado de emergência, como o isolamento social. Luanda é Luanda e o resto é paisagem, como acontece noutras capitais, mormente em Lisboa.
 
Se Angola em estado de emergência, culpa portugueses entre primeiros casos, mais de 100.000 continuam a viver no país africano que foi colónia portuguesa durante cerca de 500 anos (1483-1975). Sem esquecer que, até finais do século XVII, Angola estava dividida em reinos (Matamba, Ngola e Kongo), com cabeças coroadas que apenas mantinham relações comerciais, com holandeses e portugueses - como a famosa rainha Nzinga Mbande (c.1583-1663) -, defendendo os territórios e elevando a soberania.
 
Num atual território Ngola (ou Angola), onde Portugal cabe 14 vezes (e, por sua vez, 92 no Brasil), é quase impossível testar e facultar máscaras a toda a gente para proteção da infeção e controlo da propagação do novo coronavírus. Com restos de panos africanos 100% de algodão, como os do Congo - difundidos por Nzinga -, e recorrendo à imaginação que já é familiar ao povo angolano, este pode improvisar meios de produzir em casa máscaras e toucados de proteção.


Sexta-feira (27 de março), o primeiro dia de estado de emergência em Luanda - Facebook

 
Porquê 100% de algodão
 
Um estudo de máscaras faciais caseiras da SmartAirFilters.com descobriu que as t-shirts e as fronhas de algodão são os melhores materiais para fazer máscaras faciais em casa, com base na sua capacidade de capturar partículas e ainda assim permanecerem respiráveis. Estas máscaras têm ainda a vantagem de poderem ser lavadas com água e sabão e passadas a ferro, para voltarem a ser usadas. Mesmo assim são necessárias viseiras (ou escudos faciais).
 
A OPAS e a OMS recomendam o uso de máscaras cirúrgicas a pessoas com sintomas respiratórios e a profissionais da saúde. Talvez por isso poucos se protejam devidamente em Angola, no Brasil, em Portugal e no Mundo.
 
Para o cientista chinês, George Gao (virologista e imunologista que atua como Diretor do Centro Chinês de Controle e Prevenção de Doenças desde 2017 e decano da Escola de Medicina Savaid da Academia de Ciências da Universidade da China desde 2015), não usar máscara “é o maior erro”. Gao reforça, numa entrevista divulgada no mundo inteiro e na internet, que a solução para a contenção é "termos a certeza que isolamos todos os infectados", apontando que “o maior erro nos EUA e na Europa, na minha opinião, é que as pessoas não usam máscaras”.
 
Segundo a AAAS (Associação Americana para o Avanço da Ciência), Gao em janeiro, fez parte de uma equipa que realizou o primeiro isolamento e sequenciação da síndrome respiratória aguda grave 2 (SRA-CoV-2), o vírus que causa COVID-19. Foi co-autor de dois artigos amplamente lidos, publicados no The New England Journal of Medicine (NEJM), que forneceram algumas das primeiras características clínicas e epidemiológicas detalhadas da doença, e publicou artigos sobre COVID-19 no The Lancet.


Panos africanos em Lisboa - Facebook

 
Difusão dos panos de Nzinga
 
Portugal mantém relações diplomáticas e comerciais com Angola, movidas por altos e baixos, desde o século XV, altura em que os portugueses descobriram o território constituído por vários reinos (atualmente com cinco línguas oficiais e vários dialectos). Hoje, continuam a pesar a língua portuguesa, o sangue e a cultura inevitavelmente mesclados.
 
Angola dispõe ainda e como sempre de um território riquíssimo, cobiçado por potências mundiais. Já no final do século XV, os portugueses cruzaram-se aí com os holandeses que mantinham relações comerciais com os povos destes reinos de Matamba, Ngola e Kongo.
 
A rainha angolana Nzinga Mbandi (1582-1663) é uma guerreira que procura aliados para defender os seus territórios, sejam portugueses, holandeses ou angolanos, bem como os canibais jaga.
 
Reconhecida como heroína em Angola entre 1960 e 1970, a sua vida deu origem a um romance (1975) e filme (2013). Há muitos estudos, obras artísticas e literárias sobre Nzinga, desde o século XVII até à atualidade. Trata-se de uma das personalidades mais famosas da história da África Central e a rainha de Angola melhor documentada.
 

Panos africanos em Lisboa - Facebook


Istorica Descrizione de Tre Régni Kongo, Matamba e Angola (1687) do missionário capuchinho Giovanni Antonio Cavazzi de Montecuccolo (1621-1678) é o trabalho mais detalhado e rico da época de Nzinga. Está ilustrado com gravuras sobre a vida quotidiana dessas regiões, inspiradas em aguarelas inéditas do manuscrito original encontrado em 1969. As aguarelas atribuídas a Cavazzi são consideradas uma importante fonte etnográfica. Nelas, podemos observar as capulanas angolanas com padrões de formas antropomórficas, zoomórficas e geométricas, recuperadas da arte rupestre que ainda hoje abunda em grutas de Angola, nas regiões do norte (Kwanza-Sul) e sul (Namibe), a precisar de muitos cuidados de conservação.
 
Nas 30 ilustrações com aguarelas a cores, supostamente elaboradas durante a missão de Cavazzi, predominam os tecidos lisos, sobretudo tingidos de vermelho e de azul, mas também de amarelo. O verde surge pontualmente.
 
São mais raros os tecidos com riscas dispostas na horizontal ou cruzadas. Certos guerreiros apresentam-se com peles de animal, em especial de leopardo. Alguns tecidos, possivelmente de ráfia, contam com arabescos.
 
Ainda por observação das ilustrações de Cavazzi, constatamos que os tecidos mais decorados são ostentados pela realeza e nobreza guerreira. Os músicos e os serviçais apresentam-se com tecidos lisos.


Camisas da Maison Château Rouge, em Paris - Photo: Maison Château Rouge

 
Lojas pelo mundo
 
Os coloridos e tradicionais tecidos africanos que desfilam pelas ruas de Paris, têm maioritariamente a assinatura da marca Maison Château Rouge com loja própria. A marca foi criada pelos irmãos senegaleses, Youssouf e Mamadou Fofana, que cresceram entre o centro e os subúrbios de Paris.
 
Segundo Youssouf, o estilo da marca resulta da fusão entre mundos, o urbano de Paris e o tradicional africano. Em criança, os pais levavam-no ao quartier africano Château Rouge/ Goute d’Or, no 18° arrondissement de Paris, para não perder o contacto com as raízes. Já mais velho, passou a explorar outras áreas de Paris, entrando em contacto com bairros mais jovens e hispters da cidade - como revela no site da marca.
 
As peças são feitas em Paris, geralmente em séries limitadas, dada a unicidade dos tecidos comprados no próprio bairro Château Rouge. A inspiração vem do universo do streetwear e desporto.
 
No Brasil, há vários estilistas a trabalharem as formas e os panos africanos e a levarem-nos para as passerelles das principais semanas de moda mundiais. Muitos desenhos representam figuras rupestres e muitos símbolos estão ligados a antigos provérbios da tradição oral, como acontece nos antigos panos angolanos que terão ido para o Brasil com angolanos trocados por índios brasileiros que preferiam suicidar-se, por honra, a serem escravizados nas suas terras (uns e outros). Daí que existam sensibilidades e elos culturais tão fortes entre estes países, no mapa desenhados frente a frente, e separados pelo oceano Atlântico.


Moda africana no Brasil - Facebook


A PRETA, no Lx Factory, em Lisboa, é a morada das capulanas africanas 100% de algodão, fabricadas na China, Gana, Holanda, Índia e Nigéria, e adquiridas em Moçambique, de onde a dona é natural. Esta é a primeira loja exclusiva de capulanas em Portugal que vende e ensina a usá-las.
 
Os panos africanos acompanham as mulheres no dia-a-dia, são usados como turbantes, vestidos, porta-bebés. E servem até a decoração. Na PRETA, as capulanas podem ser adquiridas em tecido ou em peças de roupa já criadas.
 
Já na rua das Taipas do Porto, a Tia Orlanda, reserva num cantinho do restaurante de cozinha moçambicana, um espaço para a arte e panos africanos claro.
 
Aliás, no Facebook e Instagram, não faltam páginas dedicadas à promoção e venda de panos africanos, no Bié e Luanda (Angola), Houston (EUA), Lisboa e Porto (Portugal), Paris (França), Rio de Janeiro e São Paulo (Brasil).

Basta pesquisar e encomendar online, uma vez que em todos estes países, o novo lema é "ficar em casa".
 

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