Comme des Garçons e Noir Kei Ninomiya: duo do universo dickensiano com sonhos de gelo
Ninguém poderia jamais culpar Rei Kawakubo por falta de visões. Na estação aparentemente permanente de desfiles globais deste ano, a coleção de Rei Kawakubo para a sua maison Commes des Garçons (CDG) foi a mais recente, e não a menos importante a aparecer.
As últimas ideias da designer de moda japonesa Rei Kawakubo para a Comme des Garçons divulgadas, terça-feira (23 de março), num vídeo para editores e amigos combinaram demoniacamente Charles Dickens com um grandioso fantoche.
O "espectáculo" foi encenado na semana passada em Tóquio, para alguns amigos, no interior dos escritórios da CDG; marcando o último momento em que Kawakubo conseguiu atravessar a moda para o mundo da arte fina.
As suas espantosas amazonas, imitando seres mágicos em capas de penas gigantes armadas num sem fim de tule amarrotado, em formas de cisne; ou as imensas camadas enfoladas em balão nos casacos de seda e calicó de algodão.
Gigantescas batinas sacerdotais usadas por cima de leggings e botas de pele de bovino; com uma enorme cauda de tule presa. Caudas brancas de Ringmasters cortadas em peças com capuz; nuvens celestes de algodão drapeadas, criando mangas com 60 centímetros de largura. Jovens baronesas românticas em kilts brancos e pretos sobre leggings grafitadas.
Uma paleta de tonalidades preto, antracite e branco. Tudo baseado na coleção de ténis de vanguarda Salomon x CDG.
"Em pleno transbordamento incessante de coisas diversas, o dilúvio da cor, a inundação do som e a enchente de informação... Precisava de respirar na serenidade monocromática", explicou Rei Kawakubo, a estilista invulgarmente volúvel que vive entre Tóquio e Paris.
As imponentes manequins ostentam chapéus de coveiro vitoriano, com cortes como comidos por traças ou cobertos de teias de aranha no topo, numa grande manifestação de Ibrahim Kamara – o estilista britânico natural da Serra Leoa, editor-chefe da Dazed, que Rei Kawakubo convidou para a produção.
Como Brides of Funkenstein fecham o espectáculo, em gigantescas e vaporosas vestes de tule. A um estilo perturbadoramente belo; intensamente original – nasce uma beleza terrível.
O seu protegido e ajudante Kei Ninomiya seguiu esse ato difícil de superar a mestre com uma exibição ainda mais intensa de moda com a sua marca Noir Kei Ninomiya. Não por acaso as duas ligações do espectáculo foram enviadas num mesmo e-mail.
Modelos encantadoramente bem-humoradas, com o cabelo rebocado por todo o crânio, num trabalho artístico do cabeleireiro japonês Asashi, marcham com vestidos de grandes dimensões e em cascatas intermináveis de amostras de tecido. Camisolas clássicas de Aran – a malha irlandesa que há muito obcecou todos os estilistas japoneses – misturaram-se em formas robustas como armaduras maleáveis.
Mesmo que o estilista japonês parecesse ter trocado a ordem do espectáculo, por começar com uma túnica cerimonial de cristal e metal de rainha da era espacial; seguida por vestidos metálicos de forma globular para uma rave aristocrática intergaláctica. Até mesmo um perfecto conseguiu uma maquilhagem futurista, fazendo sobressair as suas mangas com espinhos, brilhando no show a média luz esfumada.
Não admira que o designer tenha chamado à coleção "Metal Couture".
Como é seu costume, nenhum dos designers veio receber aplausos. Tudo dito: dois momentos sombriamente gloriosos, que captaram em termos visuais a inquietação deste túnel sem fim de uma pandemia que se arrasta e ameaça com a mutação de estirpes.
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