Helena OSORIO
15 de set. de 2022
Designer ucraniana radicada em Braga evoca dor da guerra no desfile de moda em Nova Iorque
Helena OSORIO
15 de set. de 2022
Os desfiles de moda raramente começam com um momento de silêncio, como fez a estilista ucraniana Svitlana Bevza, na noite de terça-feira (13 de setembro), evocando a invasão russa e exibindo uma coleção rica em símbolos patrióticos, por ocasião da New York Fashion Week (NYFW). Trata-se de uma coleção criada a partir de Braga, Portugal, onde Bevza tem vivido nos últimos meses.
Svitlana Bevza é já uma veterana da New York Fashion Week, onde marca presença desde 2017. Está sedeada em Kiev, capital da Ucrânia de onde é natural, e onde conta com as suas oficinas, mas foi forçada a partir após a invasão no final de fevereiro passado, por entre infinitas explosões e sirenes, para proteger os seus dois filhos Marc e Ann.
Svitlana fugiu de autocarro com as crianças, deixando para trás o marido, Volodimir Omelyan. Refugiaram-se na República Checa durante um mês e meio, antes de rumarem a Portugal, onde se instalaram em Braga, na Cidade dos Arcebispos.
O marido, Volodymyr Omelyan, um político que foi ministro do governo de 2016 a 2019, juntou-se ao exército, mantendo-se na linha da frente do conflito. Pode agora acompanhá-lo na sua conta de Instagram, vestido com trajes militares e de arma ao peito.
A nova coleção para a estação de primavera-verão de Svitlana Bevza, intitulada "Fragile Motherland" (Pátria Frágil) e revelada num edifício de Wall Street, revelou-se altamente política. A bandeira azul e amarela ucraniana foi projetada sobre um muro nu, com a voz da criadora a pedir um minuto de silêncio pelos milhares de vidas perdidas.
"Algumas pessoas talvez não compreendam que isto está a ir a sério. E hoje é o 202.º dia de guerra na Ucrânia. Há milhares de pessoas mortas", disse a fundadora e diretora criativa da BEVZA.
"Fui forçada a deixar o país com os meus filhos. E o meu marido está em guerra", acrescentou Svitlana, que voltou à Ucrânia por duas vezes e por poucos dias, para se reunir com a equipa que aí permanece, fotografar o lookbook da nova coleção, e matar saudades do marido.
Svitlana Bevza apresentou, no seu desfile programado para a NYFW, tops sensuais quando usados com saias ou calças, que enaltecem bordados tradicionais, mas que mesmo assim lembram coletes à prova de bala. Alguns deles parecem até escudos, que expõem os ombros e o umbigo.
A espiga e os grãos de trigo – símbolos da Ucrânia fértil, como um dos maiores produtores mundiais de trigo, que representam "o cesto de pão para o mundo" – são o fio condutor desta mensagem, que apela à vida, aos direitos humanos e à paz, acompanhando toda a coleção.
Retrata-os um colar preto carbonizado da BEVZA porque "muito trigo foi queimado pelos russos", frisou a designer de Kiev, que passou a escurecer os seus colares e brincos em forma de espigas, como símbolo desses campos queimados sem fim, embora Svitlana já os criasse antes do conflito bélico com outra envolvente.
O amplo corte de algumas das suas saias lembra também um ajuste ao traje das mulheres agricultoras ucranianas, que colhem o trigo.
"Há um profundo significado sagrado do próprio pão e do trigo, que nos chegou através dos séculos", disse ainda, apontando para a fome na década de 1930 atribuída a Estaline, que matou milhões de ucranianos com uma Grande Fome (conhecida também como Holodomor, ou Fome-Terror).
Alguns académicos acreditam mesmo, que a fome foi planeada por este ex-primeiro-ministro da União Soviética, de origem georgiana, para eliminar um movimento de independência ucraniano.
"O que protegemos agora? Protegemos as terras férteis. E aquilo por que basicamente lutamos é para viver em liberdade, para viver em paz na nossa terra", concluiu a designer ucraniana atualmente radicada em Braga, que, a partir de Portugal, desenhou os croquis enviados para os seis colaboradores, que continuam a trabalhar no seu atelier de Kiev, desenvolvendo assim online e à distância esta nova coleção.
(Com a AFP)
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