
Helena OSORIO
8 de mai. de 2020
Especial Katty Xiomara: “O vestuário e em particular o nosso segmento demorará muito tempo a ser de novo apelativo”

Helena OSORIO
8 de mai. de 2020
Após o cancelamento do último desfile no Portugal Fashion, em março, projectado para a Casa da Arquitectura de Matosinhos, Katty Xiomara entrou em confinamento, confessando estar a trabalhar ao mesmo ritmo, mas a partir de casa. Apesar de contar com loja online e App com ligação direta à loja, e para além de a sua coleção figurar em diversas plataformas e agregadores, a designer de moda natural de Caracas, radicada na cidade do Porto, diz que “a resposta não se equipara às vendas físicas”.
Katty Xiomara que começou a produzir máscaras para amigos e família, está neste momento a alargar esta coleção devido ao passatempo na página do Instagram, @kattyxiomara_official, onde executa uma máscara passo a passo, desde o molde à confeção. “Apesar dos pedidos ainda não ponderei vender, mas talvez ofereça com a compra de outras peças na loja”.

FashionNetwork.com: A Katty Xiomara nasceu em Caracas (Venezuela), no seio de uma família portuguesa. Essa experiência de vida marcou mais tarde o trabalho? De que forma.
Katty Xiomara: É inevitável que 18 anos da minha vida se vejam refletidos no trabalho. Nem sempre é de forma pensada, mas natural e espontaneamente, sei que esse sabor latino acaba por aflorar no meu trabalho essencialmente através das cores.
FNW: O berço está nas cores e também representado nas escolhas, ou em coleções especiais?
KX: Como disse, o berço faz parte de mim por isso é natural que se reflita no trabalho. Em algumas ocasiões pode ser mais pensado, como por exemplo na coleção Maria Mimosa 19.20 onde fiz uma pequena retrospectiva dos meus 45 anos de vida pois a coleção estava associada ao lançamento de uma coleção cápsula para assinalar os 45 anos da Hello Kitty. Assim, remeti o tema e o nome a uma flor que fazia parte das minhas brincadeiras de criança e que só cresce nestas zonas mais quentes.
FNW: O Portugal Fashion celebrou os 25 anos de existência, na última edição cancelada, e a Katty Xiomara, 24 como participante. À parte de todos os eventos, ficou de apresentar a sua coleção na Casa de Arquitectura, em Matosinhos, aliada a artes performativas. Pode desvendar-nos alguns dos segredos deste show que acabou por não se realizar?
KX: Bem… Não tenho ideia de ter 24 anos de carreira no Portugal Fashion, mas, sim, participei no ínicio quando ainda estava a estudar. Penso que, no entanto, só entrei no calendário em 99 quando criei a empresa.
A última edição foi um momento difícil para todos nós e para o evento. O cancelamento foi a melhor decisão, mas tudo isto afectou todos os profissionais envolvidos.
Tínhamos projectado uma apresentação num formato mais intimista, um concerto sem placo, cara-a-cara com o público e com a interação das manequins num contexto de sala de estar, com a voz de Cati Freitas e o piano pelas mãos de João Salcedo. Feito que só seria possível graças ao apoio de algumas pessoas e entidades que acreditaram e aceitaram envolver-se neste projecto.
FNW: O espectáculo estava agendado para 14 de março, às 11 horas. Porquê tão cedo, num sábado de manhã? A luz natural importa, ou tudo se passaria no interior?
KX: A luz natural importa. Apesar de ter sido projectado para o interior, o espaço tem uma iluminação natural que faz toda a diferença.
FNW: E porquê a Casa de Arquitectura. A escolha do espaço passou pela Katty Xiomara?
KX: Porque a luz e a pureza das linhas da sala mostravam-se como uma perfeita tela em branco para colorir. E, sim, quando é aberta a oportunidade de poder fazer fora do contexto “normal” tentamos encontrar forma e apoios para concretizar essa possibilidade.

FNW: Maria Gambina é outro nome sonante, que acabou por apresentar a coleção no Portugal Fashion, à porta fechada. Foi aluna desta estilista no CITEX - Centro de Formação Profissional da Indústria Têxtil, atual Modatex, no Porto, onde hoje leciona. A sua obra reflete alguns desses ensinamentos?
KX: Penso, ou melhor espero, que todos os ensinamentos que me foram dados pelos diversos formadores incluindo a Gambina se vejam refletidos no meu trabalho.
FNW: É também uma inspiração conviver de perto e trocar ideias com os jovens discentes do Modatex?
KX: Sim é refrescante, por um lado porque percebemos novas perspetivas e abordagens e por outro sentimos aquela inocência encantadora dos primeiros passos, embora no caso destas gerações seja uma inocência muito mais informada do que a nossa, de há 20 anos…
FNW: Diga-se que cedo começou a ter sucesso e nunca mais parou. Logo em 1996, com apenas 22 anos, recebeu o primeiro prémio do "Porto de Moda" e, no mesmo ano, apresentou a primeira coleção no Portugal Fashion (um ano depois da sua 1.ª edição), sendo convidada a participar no concurso para a criação dos uniformes da Expo'98. Simultaneamente, desenhou roupa de criança no gabinete Rdesign para as marcas Girandola e Ramirez & Raul. Umas propostas vieram no seguimento das outras? Como aconteceu.
KX: Em 96 participei no Portugal Fashion através da escola, mas só entrei de facto no calendário anos mais tarde.
Foi tudo muito rápido e não tive muito tempo para refletir. Comecei a desenhar na Rdesign ainda antes de acabar a escola de moda e os concursos abriram portas a novas participações nas plataformas dedicadas aos novos designers. Mas, foi difícil, sem orçamento e sem conhecimentos - tinha poucos anos de Portugal e tudo era novo para mim, quando somos nativos temos contactos, conhecimentos, alguém que sabe de uma costureira aqui ou acolá, mas para mim tudo era novo e a minha “base de dados” estava vazia – mas consegui ser “chata” ao ponto de obter o patrocino de algumas matérias-primas de empresas como a Fernando Valente e a Matias & Araujo, isso já era uma ajuda, depois tive de escavar terreno e encontrar costureiras, isto ainda na altura das paginas amarelas…

FNW: Consta que os fundos obtidos nestes primeiros projetos financiaram a produção de coleções próprias, apresentadas regularmente no Portugal Fashion e na Moda Lisboa…
KX: Fundos??? Não percebi a questão… O único concurso com premio monetário foi o Porto de Moda, mas foi muito simbólico e esgotou depressa…
FNW: Nunca falhou uma destas mostras? Qual a importância das mesmas na promoção e projeção do seu trabalho.
KX: Falhei uma edição, na altura do nascimento da minha filha.
Durante muito tempo eram a única plataforma de promoção e a única forma de materializar a história de cada coleção. Cresci com elas e ajudaram na evolução do meu trabalho.
FNW: Em 2001 assinou um contrato com a empresa TRL, que passou a produzir e a comercializar os fatos de banho da marca Xiomar e a coleção de roupa desportiva e fitness Fuga's. Criou fardas para a Pizza Hut, Kodak e McDonald's Portugal. As fardas são a imagem de marca? É o que mais gozo lhe dá fazer?
KX: Foram projetos paralelos que me ensinaram muito sobre o funcionamento da nossa indústria têxtil.
Os uniformes são sempre um grande desafio porque colocam-nos muitas limitações, o que faz com que a criatividade tenha de aflorar sob conceitos muito específicos de conforto, praticidade e durabilidade.
FNW: A sua loja fica numa bela casa burguesa oitocentista, recuperada na rua da Boavista, no Porto, e descentrada do grande movimento da zona da Rotunda e da Baixa. Aí, apresenta a obra mais recente, muitas vezes usada por atores e atrizes em produções televisivas. Tais quais.
KX: Não sei bem nomear todas, mas, sim, entre o teatro, televisão, concertos, galas e espectáculos, temos vestido algumas celebridades, incluindo no estrangeiro.
FNW: Está sempre disponível, mesmo com a agenda cheia?
KX: Não diria sempre… Por vezes estou em viagem, mas em regra geral arranjo sempre tempo ou forma, sobretudo para as clientes.
FNW: Projecta abrir novas lojas noutras cidades e países?
KX: Infelizmente não tenho essa capacidade de investimento, muito menos agora, nestas circunstâncias.
FNW: Enveredou pela internacionalização, marcando presença em feiras em Angola, Espanha, EUA, Japão e República Checa. Teve apoios institucionais, ou foi sempre um esforço solitário?
KX: Tive apoios e também foi um esforço pessoal.
FNW: Quais os mercados mais atraentes.
KX: Nos dias que correm na atual situação, nenhum.
Mas penso que a Ásia na sua grande generalidade é o mais promissor.

FNW: As grandes casas da moda têm vindo a cancelar eventos e a fechar lojas por causa do coronavírus COVID-19. A pandemia vem atrapalhar, também, alguns dos seus planos? Quais.
KX: Penso que esta pergunta é do passado, mas também se pode projectar para o futuro, pois muitos prevêm um novo surto em novembro. Para já continuo fechada, talvez abra com marcações prévias, embora ainda tenha dúvidas sobre como proceder com o manuseamento das peças e provas… Penso que, a partir de agora, os nossos hábitos irão mudar e a forma de fazer, produzir e mostrar moda também será inevitavelmente alterada, até porque já pedia desesperadamente que assim fosse.
FNW: Portugal estará a minimizar este problema? Medidas que considera fundamentais.
KX: Não penso que tenhamos minimizado, não mais do que os outros países europeus. Acho que como todos, custou-nos acreditar que isto pudesse atingir estas proporções. Tivemos de nos adaptar muito repentinamente, algumas decisões foram algo incoerentes ou sem grande coordenação, mas fomos encontrando uma forma ordeira de colocar isto em prática e até agora temos conseguido!!!
FNW: Quais as medidas tomadas durante os 40 dias de confinamento?
KX: Bem a minha quarentena começou no dia 13/03…. Já lá vão os 40 dias.
Acordo na mesma cedo e começo a trabalhar, na verdade a rotina é similar, mas sem sair de casa.
FNW: Como prevê o desconfinamento?
KX: Não consigo prever… Todos estaremos extremamente afectados com tudo isto, as nossa cabeças, as nossas finanças… Tudo.
FNW: À imagem de outros designers, está a associar máscaras aos looks…
KX: Estou a fazer máscaras caseiras sem especificações técnicas, para oferecer a amigos e familiares. Tive alguns pedidos após o projecto com a revista Caras onde executava uma máscara passo a passo, desde o molde até à confeção. Por isso fiz um passatempo no Instagram para oferecer algumas. Apesar dos pedidos ainda não ponderei vender, mas talvez ofereça com a compra de outras peças na loja.

FNW: Quais as previsões, a médio prazo, para os efeitos da pandemia na moda. A aposta no digital é a possível tábua de salvamento?
KX: O panorama não é muito promissor, penso que o vestuário e em particular o nosso segmento demorará muito tempo a ser de novo apelativo ou importante para as pessoas. Espero contudo que exista maior consciência para consumir o produto nacional, tenho esperança de que pelo menos essa hipótese nos seja dada, pois em muitos casos se cria uma ideia preconcebida de um tipo de preço, qualidade e design que não corresponde de todo à realidade atual da grande generalidade dos designers portugueses, que consegue estar lado a lado de grandes marcas sem perder pontos e a preços muito mais competitivos.
A aposta digital não é a panaceia descrita por muitos, requer um grande e constante esforço financeiro, só assim poderá chegar de forma regular e contínua ao consumidor e tornar-se rentável. Nós temos uma loja online e uma App com ligação direta à loja, para além disso temos a coleção em diversas plataformas e agregadores, mas até hoje a resposta não se equipara às vendas físicas. Mas, sim, este meio terá de ser inevitavelmente mais utilizado e aproveitado do que nunca.
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