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Estela Ataíde
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13 de jun. de 2019
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Kering quer construir uma cultura digital

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Estela Ataíde
Publicado em
13 de jun. de 2019

Em 2020, a Kering põe fim à sua joint venture com a YNAP, que desde 2012 gere a maioria das atividades de comércio eletrónico do grupo, excluindo a da Gucci. Grégory Boutté está à frente do processo da retoma do controlo direto destas operações. Um grande desafio para o grupo: as vendas e-commerce (saídas de caixa) representam atualmente menos de 10% do volume de negócios do grupo, mas deverão aumentar em força nos próximos anos. O antigo vice-presidente da Ebay, recrutado no final de 2017, chegou para otimizar esta integração. Uma visão que partilhou pela primeira vez com a imprensa e investidores no último fim de semana. E o e-commerce é apenas a ponta de um iceberg de inovação. Porque além da transição comercial  com a YNAP, o que está a ser feito é na verdade uma mudança de modelo. A Kering pretende controlar o comércio e, talvez até mais importante nos dias de hoje, o acesso aos dados.


A plataforma de comércio eletrónico da Gucci - Capture d'écran


"Em muitos setores, a disrupção digital é uma realidade. Não há quaisquer dúvidas sobre isso e provavelmente não haverá como voltar atrás”, explicou Grégory Boutté. “Isso acontece também no luxo num grau diferente. Acho que tivemos a sorte de ter uma indústria na qual as marcas criam produtos exclusivos e também controlam a sua distribuição. Vemos isso como uma oportunidade. O luxo tem o hábito de criar experiências únicas para os seus clientes. Eu acredito que a tecnologia pode ajudar as empresas de luxo a irem mais além."
 
Os dados recolhidos são reunidos a nível do grupo, as marcas não têm acesso direto às informações das outras insígnias. Os projetos podem, no entanto, ser executados de acordo com as necessidades de cada uma delas e, se forem pertinentes, serão implantados em larga escala. O diretor digital apresentou iniciativas que podem constituir pequenas revoluções culturais para os diferentes estratos do grupo, para que o digital se torne parte de um império com mais de 13,6 mil milhões de euros de volume de negócios.

Grégory Boutté formou a sua equipa. De quatro pessoas aquando da sua chegada, esta é hoje composta por mais de 80 pessoas, que trabalham em várias temáticas. "Reconhecemos que estas profissões digitais são realmente diferentes daquilo a que estávamos habituados no luxo. Recrutamos especialistas de nível mundial de todas as esferas do digital: data scientists, e-commerce, CRM, etc. E, com as marcas, construímos plataformas que são operadas a nível de grupo. Permitimos que as marcas interajam com elas para criar ferramentas que permitirão aumentar o seu desempenho e responder às suas oportunidades específicas. Já implementámos algumas dessas ações.”

Uma data factory no grupo
 
Para oferecer as melhores soluções, esta equipa acumula assim os dados das diferentes marcas, recolhidos na rede própria, mas também junto de parceiros e fornecedores, sempre que possível. Depois, a equipa organiza e analisa-os. Esta base de dados e a sua utilização permite que o grupo crie melhores ferramentas. E, para isso, apoia-se na inteligência artificial.

"A inteligência artificial é realmente importante para empresas como a nossa. Acho que a Kering, na indústria do luxo, está numa posição única porque é uma grande empresa. Isso significa que temos uma quantidade imensa de dados”, diz Grégory Boutté. “E estamos a trabalhar para usar esses dados para realmente compreender os nossos clientes e oferecer-lhes uma incrível experiência personalizada. Quanto mais dados tivermos, mais preciso será o nosso algoritmo, melhor será a experiência. Por outro lado, isso deve levar-nos a conseguir alcançar a excelência em termos de operações."
 

A nova loja Balenciaga de Londres


Em termos concretos, o número de possibilidades é empolgante e, ao mesmo tempo, bastante vertiginoso, porque embora esteja a trabalhar com estruturas históricas, a organização criada por Boutté pretende criar novas formas de trabalhar. É claro que a Kering não quer substituir as profissões existentes. Estas novas ferramentas devem acompanhar os profissionais no seu trabalho. Para a equipa de vendas, o grupo desenvolveu uma aplicação chamada Luce, que está acessível em loja e deve permitir que o vendedor esteja mais próximo do cliente, tendo acesso direto ao stocks, mas também ao histórico do seu cliente. A equipa digital estima que com os clientes VIP as compras médias tenham aumentado de 15% para 20% com o uso da aplicação. Outro campo de aplicação da exploração dos dados compilados: o serviço pós-venda. O grupo lançou um novo serviço centralizado de resposta ao cliente, que se apoia no histórico do cliente e nas informações da marca. O primeiro centro abriu na rue du Cherche-midi, em Paris, em 2017. Depois de ser testado, o conceito foi implantado no ano passado nos Estados Unidos e este ano na zona da Ásia-Pacífico.

IA para otimizar a alocação de stocks

Mas, o domínio no qual o impacto poderá ser maior é, segundo o líder do digital, o planeamento. O desenvolvimento de um novo algoritmo pode mudar as práticas. "Temos equipas de especialistas em planeamento que continuamente preveem níveis de vendas e avaliam como podem alocar os produtos entre os armazéns regionais e os stocks em loja. Isto é muito importante, porque se não for bem feito arrisca-se a rutura de stock para o consumidor em loja. Utilizamos os dados a nível da loja, em cada produto, para as renovações, mas também para novos produtos. Com tudo isto, fazemos previsões sobre o potencial de vendas de cada referência, em cada loja e em cada semana. Isto pode ajudar as equipas de planeamento. Estamos há vários meses a trabalhar na realização de um algoritmo. Constatamos, nos dados mais recentes, uma melhoria nas previsões de mais de 20%, em comparação com a utilização das ferramentas existentes."

Testada na versão beta, a aplicação entra em vigor em julho. Inicialmente, vai dedicar-se a uma categoria de produto altamente segmentada no mercado europeu. Depois, se o modelo for validado, será implantado em diferentes categorias e mercados diferentes para, por fim, ser aplicado por outras marcas.
 
A abordagem é, portanto, operacional. E a organização das equipas é apresentada como flexível para enfrentar os desafios de uma economia global em mutação e na qual a indústria do luxo não está exatamente na vanguarda. Para isso, trabalha-se em novos modelos, como o leasing e a segunda mão, grandes inovações que podem modificar a produção de forma inerente, como os desenvolvimentos de biomateriais ou a integração de RFID na logística. Um dos grandes projetos é também identificar tecnologias que podem mudar as coisas como o blockchain ou a tecnologia de voz. "Estamos a analisar se isso seria significativo para nós e como afetaria o mercado do luxo. Se for esse o caso, criaremos projetos piloto com as marcas”, diz Grégory Boutté. “Além destes pontos, também temos pessoas que trabalham para identificar tendências emergentes em termos de modelos. Praticamos uma política de trabalhar com as marcas. E treinamos estas equipas para terem abordagens test and learn, que sejam realmente inovadoras. E sempre que desenvolvemos um projeto, chegamos a novas pessoas na organização técnica, mas também na logística, nas vendas ou no departamento financeiro. Isso aproxima-nos gradualmente da abordagem das empresas digitais.”
 
Os desafios são muitos para fazer evoluir as mentalidades e fazer circular as informações, e o trabalho colaborativo faz parte das novas práticas. Em termos de CRM, o grupo conta com a expertise da Salesforce e também está ligado a várias empresas de tecnologia, incluindo a Apple, para desenvolver novas aplicações. Grégory Boutté diz-se mesmo aberto, no blockchain, a trabalhar com o grupo LVMH no projeto Aura, se este for desenvolvido em código aberto. Mais do que uma mudança de cultura, um novo paradigma.

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