Lisboa: capital verde, também na moda
"Vivemos há demasiadas décadas numa economia linear", denuncia com ênfase a atriz e escritora Joana Barrios. Uma declaração de intenções que serve como introdução da última edição das "Fast Talks" da ModaLisboa, focada na análise do impacto da indústria da moda no planeta. Por um lado, um compromisso com a sociedade portuguesa, que este mês renovou o poder do primeiro ministro, o socialista António Costa, com uma abstenção histórica de 45,5%. Por outro, uma preocupação, sem dúvida, de destaque para a cidade, que ostentará o título de "Capital Verde Europeia 2020", um galardão historicamente concedido a cidades do norte da Europa e que regressará à Península Ibérica, após Vitoria-Gasteiz o receber em 2012.

Ciente da responsabilidade do título, Eduarda Abbondanza, presidente da Associação ModaLisboa, destaca a importância de Lisboa sediar discussões sobre desenvolvimento sustentável. E, como boa anfitriã do evento, convida os participantes a descobrir o Mercado de Santa Clara, no coração do tradicional bairro de Alfama, conhecido na sua época como zona de pescadores. "É uma das caracterísiticas da ModaLisboa: descobrir novos espaços da cidade", afirma.
O poder da educação e das novas gerações
Atrás de Abbondanza, um espaço industrial de luzes verdes e decorado com palmeiras, onde se encontram os cinco protagonistas da sessão. À direita de todos: Alfredo Orobio. Envolto numa t-shirt básica branca e sapatilhas da marca francesa sustentável Veja, aos 30 anos este estilista de origem brasileira é uma das vozes mais fortes do panorama português. Depois de lançar a plataforma coletiva de design Awaytomars em 2014, o projeto já conta com mais de 15 mil designers de até 93 países.
“O movimento da fast fashion está intimamente ligado à nossa geração tão ocupada. Fomos nós que inventámos a ideia do consumo em massa. Agora, trata-se de mudar de mentalidade”, analisa criticamente sobre a responsabilidade de se ter permitido que a grande distribuição tenha ido longe demais. Uma evolução do pensamento que só é possível através da comunicação e da informação, mediante as quais acredita que se começam a colher os frutos. “Parece-me que as pessoas estão cada vez mais conscientes das diferenças entre um produto padrão e um sustentável. Precisamos de conseguir que haja mais empatia com as histórias, tal como aconteceu no momento de eliminar as palhas de plástico do nosso dia a dia”, diz, citando como exemplo uma decisão que permite mudanças. E conclui: "O fator fundamental é educar os consumidores e os responsáveis das marcas."

A questão geracional também parece fundamental para Carolina Álvarez-Osorio, diretora de comunicação da marca sustentável espanhola Ecoalf. “Precisamos de novas gerações de designers e artistas que acreditem na responsabilidade”, afirma com certeza, enfatizando que “lideradas por jovens como Greta Thunberg, são estas novas gerações que estão a impulsionar a mudança. Como consumidores, temos a responsabilidade de continuar a pressionar as grandes empresas nesse sentido.” Uma transformação também refletida na sua t-shirt, que apresenta a mensagem da Ecoalf: "Because there is no planet B", e pela qual a empresa fundada em 2009 luta através do fabrico de roupas em materiais reciclados e do projeto "Upcycling the oceans”, com o qual promove a limpeza do fundo do mar com a ajuda de pescadores.
E, como ambos refletem, seja através da empatia ou de iniciativas coletivas, uma das questões principais consiste em envolver os consumidores e dar-lhes a conhecer a mensagem. “A coisa mais positiva que podemos fazer é abrir caminho. Não vamos salvar o mundo aqui e agora, mas podemos inspirar as pessoas a fazê-lo progressivamente”, admite o CEO da Awaytomars, cheio de otimismo.
Quem são os culpados?
Um pouco mais crítica é Joana Barrios, como moderadora da conversa, reivindicando a necessidade de "falar a língua" dos consumidores. “Considero que a sustentabilidade é, de certa forma, algo exclusivo, como o código informático. Às vezes, deixa muitas pessoas de fora. Para começar, porque não sabem ler e entender o significado das etiquetas. Sem falar dos certificados, que é uma questão muito mais complicada”, explica. E não hesita em aprofundar, responsabilizando empresas e marcas pelo papel que devem desempenhar em questões de sustentabilidade. "Acho que às vezes há demasiada pressão sobre o consumidor", defende.
Um comprador que, além de responsabilizar, na medida certa, também é preciso convencer. Se Carolina Álvarez-Osorio defende o story-doing dos projetos ativos da Ecoalf contra o storytelling, Eva Geraldine Fontanelli, editora da Vanity Fair Italia e cofundadora da plataforma de e-commerce especializada em empresas sustentáveis Goooders, destaca a necessidade de trabalhar no discurso das marcas sustentáveis. Um segmento no qual também trabalha como consultora, argumentando que é necessário criar produtos que “precisam de ser bonitos, apresentar um significado e ser rentáveis”.

“No final, aparência e o design são fundamentais no momento da compra. 'Good is the new cool' é uma mensagem importante que é preciso fazer chegar às marcas”, explica a consultora italiana. E acrescenta: “O tom no qual as mensagens são transmitidas é muito importante. É preciso ser positivo e fortalecer o discurso. Um estilo crítico e destrutivo empurra sempre os consumidores para trás.”
Algo de que estão conscientes as grandes multinacionais, cujas iniciativas em matéria de sustentabilidade não tardam a ser questionadas por Patrick Duffy, fundador da plataforma Global Fashion Exchange. “A transparência dos grandes grupos de fast fashion é posta à prova. É uma manobra de marketing com a qual criam pequenas coleções sustentáveis, que são anunciadas como uma grande fração do negócio. E isso chama-se green washing”, afirma.
Diante desta problemática, a representante da Ecoalf, a primeira marca espanhola a receber o certificado B Corporation, defende que transparência e rastreabilidade serão os dois eixos que marcarão os próximos anos. E, depois de lembrar que a Fundação Ellen MacArthur estima que haverá mais plástico do que peixe no mar até 2050, conclui sem hesitar: "Quem não está contra o problema, faz parte dele.”
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