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8 de jan. de 2021
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Mademoiselle Chanel fez vénia final há 50 anos

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8 de jan. de 2021

Gabrielle Bonheur Chanel (1883-1971), mais conhecida como Coco Chanel, é a única estilista que figura entre as 100 personalidades mais importantes da história do século XX da revista Time. A estilista francesa fundou a marca Chanel em 1909 e revolucionou a moda com o seu tailleur que simboliza a elegância francesa. A 10 de janeiro de 1971, Gabrielle Chanel desfaleceu na sua suite do Hotel Ritz em Paris onde viveu mais de uma década. A "Grande Mademoiselle" despediu-se do mundo aos 87 anos de idade.


Coco Chanel numa pausa, sentada na escadaria da sua maison de moda em março de 1966 em Paris - AFP/Archives


Aquela a quem todos chamam Coco Chanel partiu às 21 horas de um domingo, dia dedicado à família e ao descanso. A grande solitária que, durante toda a vida, se perdeu no trabalho que a honrou, montando um império com uma marca de moda reconhecida no mundo inteiro, trabalhou até ao fim dos dias. 

No dia anterior, a poucos passos de distância, os empregados da sua maison de moda na rua Cambon viram-na dar os últimos retoques à coleção que seria apresentada no dia 26 de janeiro. Como boa perfeccionista, reviu os mais pequenos detalhes, escolheu mais tecidos, verificou cada botão. Após a morte, ainda foram encontrados croquis seus para uma nova coleção.

À data, a AFP anunciou numa nota breve: "Mademoiselle Coco Chanel morreu no domingo à noite em Paris. Tinha 87 anos de idade".

Quem facultou a primeira informação, foram os amigos do hotel instalado num palácio do século XVIII: "O seu fim foi muito doce. Estamos consternados porque nada nos dias anteriores sugeriu um tal desfecho".


Suite de Coco Chanel no Ritz Place Vendôme em Paris, fotografada a 11 de abril de 2018 - AFP/Archives


Negro intemporal

Com a idade avançada, Coco Chanel passou a residir em hotéis para não se sentir tão sozinha e ter sempre com quem conversar. No Ritz, todos estavam habituados a ver regressar noite após noite a eterna feminista que optou por não casar e não ter filhos, primando sempre pela fina silhueta, ostentando o colar de pérolas e fazendo bailar um cigarro nos lábios.

Um ritual imutável que começou em 1937, entre presenças e ausências. "O Ritz é a minha casa", disse. Mas, com uma grande interrupção no tempo. Durante a II Guerra Mundial, Coco trabalhou como enfermeira e envolveu-se com um oficial nazi, acabando exilada na Suíça para fazer esquecer os seus laços com os ocupantes alemães. Uma década mais ou menos depois da guerra, em 1954, regressou a Paris e retomou os negócios na alta costura. 

Coco Chanel arrendou uma suite de 188 metros quadrados, no segundo andar do Ritz, com vista panorâmica para a Place Vendôme no 1.º arrondissement de Paris
. "O preto é intemporal, domina", chegou a referir sobre o espaço íntimo de recolhimento pintado a negro para fazer sobressair os objetos de época escolhidos a dedo. Um santuário pouco utilizado pela amazona solitária que o foi revisitando, ao longo dos anos, decorando-o com peças do seu próprio acervo da rua Cambon, como o sofá de camurça e os biombos chineses em laca de Coromandel (ou Bantam) da Dinastia Qing, reinado Kangxi (1662-1722).


O túmulo de Coco Chanel no cemitério de Bois-de-Vaux, em Lausanne (Suíça), fotografado a 4 janeiro de 2021 - AFP


Supersticiosa, Coco Chanel colocou talismãs em cada recanto da suite. Aí encontramos o seu signo astral, o leão protetor, mas também o trigo, símbolo de felicidade e prosperidade, reinterpretado num quadro assinado pelo amigo Dali.

De acordo com o desejo expresso, ninguém entrou na suite, apenas a família (duas sobrinhas e um sobrinho) que se curvou aos restos mortais desta grande lutadora. Nascida filha de uma lavadeira e de um caixeiro viajante, Gabrielle Bonheur Chanel subiu a pulso pelo próprio mérito. Aos seis anos ficou órfã de mãe e foi levada pelo pai para um orfanato; foi balconista numa loja de tecidos onde aprendeu a costurar; foi cantora de cabaré, passando a adotar o nome Coco Chanel tirado da música "Qui qu'a vu Coco"; por fim, o industrial inglês com quem viveu, Arthur Capel, ajudou-a a abrir a primeira loja.

Segunda-feira de manhã, na rua Cambon, após a anunciação da morte, 250 colaboradores, manifestaram o pesar: "A pressa que tem vindo a pôr no seu trabalho" nos últimos dias "parece agora um presságio. Estava ansiosa por acertar tudo antes de partir".

Começaram a chegar tributos, mesmo daqueles que não foram poupados por uma Coco Chanel de língua afiada. "Chanel veio com a sua linhagem fina e moderna, adaptada à vida e rebentou com toda a gente com a sua modernidade. Admirava-a porque era sóbria. Morreu em plena glória", reagiu Paco Rabanne, a quem prontamente chamou "metalurgista".

Pierre Balmain recordou a "senhora tesoura", cujo lema era "remover sempre, despir sempre, nunca acrescentar; não há outra beleza senão a liberdade do corpo"; "uma pessoa inteligente"; "expressou-se com uma acuidade rara. A transcrição de elegância, nos seus vestidos, tinha a mesma qualidade".


O clássico tailleur da Chanel e o negro continuam a inspirar as coleções da marca, no caso a coleção de moda feminina para a primavera-verão 2021 apresentada em Paris - © PixelFormula


N°5, perfume do século 

Quarta-feira (13), apareceu uma multidão em frente à igreja de la Madeleine para o funeral. Vários milhares de pessoas. Quase todo o mundo da alta cultura apareceu. "Pierre Cardin, que Coco Chanel tinha frequentemente castigado, não estava lá", relatou a AFP. Mas, compareceram todos os que lhe fizeram falta e que a acompanharam uma vida: jornalistas de moda, clientes, modelos e, claro, toda a maison Chanel, desde vendedores a estreantes de oficinas e parentes.

Todos prestaram homenagem àquela a quem Jean Cocteau chamou "o pequeno cisne negro". A órfã de origens modestas, a jovem com casos de amor infelizes, uma das primeiras mulheres a cortar o cabelo curto "porque me irrita" (justificou), numa altura em que era tão indecoroso fazê-lo. A criadora do Chanel N°5, em 1922, o perfume do século que se mantém uma referência.


O padre elogiou na missa "o seu espírito mordedor"; "a sua perspetiva de moda decente"; "era uma crente, à sua maneira talvez".

E o caixão desapareceu após a absolvição, sob um amontoado de flores brancas, incluindo uma enorme coroa de camélias  (conhecidas por rosas da China no século XIX) oferecida pelos produtores do musical Coco (1969) da Broadway, com livro e letra de Alan Jay Lerner e música de André Previn. Antes de partir para o cemitério em Lausanne (Suíça) para um enterro íntimo.
 

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