
Helena OSORIO
13 de mar. de 2023
ModaLisboa: Valentim Quaresma e o triunfo das joias

Helena OSORIO
13 de mar. de 2023
O primeiro dia de desfiles da ModaLisboa - Lisboa Fashion Week, na sexta-feira (10 de março), reservou para a noite o show de Valentim Quaresma, encerrando depois com Olga Noronha. A coleção denominada Mithology de Quaresma, para a estação de outono-inverno 2023/24, envolveu-se do habitual misticismo que o designer de moda lisboeta, com atelier no Prata Riverside Village, tem vindo a transportar para a sua obra, destacando desta vez mais ainda os adereços como grandes peças de joalharia a envolverem as manequins da cabeça até quase aos pés. O triunfo da joalharia tanto quanto o da beleza do corpo feminino e da mulher que este eleva a divindade.

O empoderamento das mulheres é assim transmitido através das suas joias douradas que adornam, quase ofuscam, mas também dominam e protegem não sendo bélicas. Se a inspiração vem das divindades da Antiguidade greco-romana, ou também africana e oriental, descortinamos um sentimento nobre por detrás "do pano" que evoca a humanidade na sua desumanidade atual com risco de se agravar num futuro próximo.
Fazendo até pensar naquelas mulheres do Irão e de outros países em que são tão maltratadas, aprisionadas, desprovidas de direitos, para aqui se libertarem em todo o esplendor que Valentim Quaresma sabe tão bem manusear e ousar.

Os códigos de vestuário da Mithology remetem à época vitoriana na sua austeridade, se bem que, conscientemente ou não, o pintor modernista holandês Piet Mondrian estivesse quase sempre presente na paleta e em parte da padronagem, considerando as suas obras de finais do século XIX misturadas com o grafismo dos anos 1918 a 1943.
O que não é de estranhar, uma vez que Mondrian viveu na era vitoriana, que ocorreu entre 1837 a 1901, marcando o célebre reinado de Victoria, a rainha do Reino Unido coroada aos 18 anos que reinou durante 63 anos até à morte.

O preto, castanho e cinza servem claramente para destacar o ouro e as joias de corpo soberbas a que Valentim Quaresma nos tem habituado como parte integrante de cada look e do ser. Também este último (dourado) está presente no calçado, quiçá numa tentativa de equilibrar o todo.
Já das referências mitológicas (se bem que a obra seja futurista), começamos pelas gregas no berço da Europa (e logo absorvidas por Roma) – Afrodite da beleza, Ártemis da caça, Atena da sabedoria e da guerra, Hebe da juventude, Hera rainha de todas as divindades – e culminamos nas africanas ou afro-brasileiras como Iemanjá das águas salgadas; e outras como Shala, a deusa suméria da compaixão; como Ishtar ou Inanna, a deusa do amor na antiga Mesopotâmia; ou ainda como Radha, a deusa hindu da devoção. Só para citar algumas cujos adornos se aparentam com estes.
E, afinal, todas elas estão nesta coleção de Quaresma que enaltece a mulher em si como uma deusa em beleza e virtudes.

Por outro lado, a presença do período vitoriano no vestuário evoca as muitas mudanças que este viu na moda e que se continuam a fazer sentir nos estilos e tecnologia do sector, abarcando vários movimentos artísticos, como também uma perceção de mudança dos papéis tradicionais de género, tal e qual está a acontecer hoje.
Também todo o processo criativo de Valentim Quaresma está ligado às artes, sendo uma característica do seu trabalho criar situações anacrónicas, harmonizando ambientes e conceitos díspares, como nesta coleção.

Neste âmbito, Valentim Quaresma apresenta uma coleção muito variada em formas e materiais, e mais sustentável claro, sendo 70% feita a partir da recuperação de têxteis e peles. Desta feita, descortinamos matérias inovadoras ou mesmo novas como resultado desta sua investigação aplicada na prática.
"Composições e texturas pós-destrutivas utilizando técnicas manuais de manipulação têxtil, em lã, poliéster, camurça, cabedais", esclarece a nota de imprensa porque não conseguimos chegar lá a olho nu.

Há também hoje uma nova tendência: a de enviar os jornalistas para segundas filas e destacar os influencers e figuras públicas, está bem, assim é nas mais renomadas passerelles, mas a organização deve pensar que não é a mesma coisa apreciar o trabalho dos nossos designers com um sem fim de iPhones e cabeças pela frente. Falha a perceção de muitas matérias, cortes e cair da roupa.
Um desfile que excedeu todas as expectativas, enchendo dois salões de convidados, de profissionais da indústria e da imprensa, que conseguiram ficar sentados ou também se mantiveram de pé. O que até ficou bem em sinal de reverência.
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