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Portugal Textil
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13 de abr. de 2022
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Mónica Neto (Portugal Fashion): «Podemos ter um lugar diferenciado e ter os nossos casos de sucesso»

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Portugal Textil
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13 de abr. de 2022

Com 50 edições cumpridas, o Portugal Fashion quer continuar a crescer em diferentes direções, apostando numa vertente mais comercial para os designers que promove, tanto dentro como fora de Portugal. Mónica Neto, diretora do Portugal Fashion, acredita que a diferenciação é o caminho, juntamente com a colaboração internacional.


Mónica Neto, diretora do Portugal Fashion


Depois de dois anos de pandemia que afetaram a realização do Portugal Fashion, o evento regressou em moldes praticamente “normais”, com mais público nas bancadas e mais desfiles presenciais. Mas, nem todas as mudanças foram suprimidas, mantendo-se a forte componente digital ao longo dos quatro dias e a renovação da presença de designers africanos, resultantes de uma parceria com o Afreximbank, que tem reforçado as relações da indústria portuguesa com os mercados africanos, ao mesmo tempo que é também uma fonte de financiamento para o evento.

No último dia do Portugal Fashion, a diretora Mónica Neto fez o balanço destas 50 edições, revelou as novidades – como o showroom vocacionado para o mercado B2B – e apontou as direções para o futuro do evento.

O Portugal Fashion celebrou 50 edições. Tendo em conta o passado, o presente e o futuro, como vê este marco?
Nesta edição, até mesmo em termos de campanha de comunicação, resolvemos ir ao arquivo e fazer uma coisa de introspeção e de comunicação de dentro para fora. O número redondo dos 20 anos já nos tinha feito refletir, mas a verdade é que precisamente nos últimos dois anos, e até por esta questão da pandemia, muita coisa se revolucionou, porque quando tudo para e quando tudo é questionado, é quando fazemos mais reflexões. Basicamente tivemos que fechar portas, tivemos que digitalizar, tivemos que criar novas formas de organizar e de comunicar o evento. Hoje, neste último dia da edição número 50, posso dizer que é daquelas edições em que sinto um orgulho incrível daquilo que se tem feito neste projeto, apesar das muitas dificuldades que existem, até do ponto de vista da adaptação daquilo que tem sido a fórmula de financiamento do projeto – porque falamos de fundos comunitários, de processos que não são propriamente de continuidade, que têm contínuas pausas, que têm muita burocracia e que impedem muitas vezes aquilo que é um projeto de planeamento a longo prazo, com tudo aquilo que se desejava fazer, mas que muitas vezes não é viável porque adaptações várias a contexto e a regras que não são propriamente feitas para a moda em especial.

Como é atualmente financiado o Portugal Fashion?
Estamos numa fase de standby completo, ou seja, estamos numa expectativa grande de perceber aquilo que há de estar para sair para promoção nos próximos tempos. Esta edição do Portugal Fashion é, no fundo, a última ação financiada pelo Portugal 2020. Temos uma candidatura planeada, mas à espera da abertura do concurso – já estamos há um ano à espera. Mesmo esta edição, ao abrigo do projeto anterior, é um esforço que tem a ver com uma reprogramação, com o abdicar de algumas ações para que realmente pudesse haver esta continuidade por mais duas estações. Mas, a partir daqui, não conseguimos estender mais e, portanto, estamos mesmo nessa expectativa de nova abertura de concurso.

A parceria com o Afreximbank surge também como fonte de financiamento?
Sim, de alguma forma. Esta parceria tem dois pilares estratégicos: um é uma ambição até quase de globalização e de realmente dar uma maior diversidade e mais consistência internacional ao que é feito no Porto e outro é claramente também esta questão do investimento. Portanto, tentar, de alguma forma, que aquele que é o nosso know-how seja uma vantagem para entidades que estão à procura de parceiros para fazer o mesmo com os seus designers – e África tem um défice muito grande do ponto de vista industrial. Acima de tudo, o que temos visto é que criativamente há realmente uma riqueza e uma diversidade muito interessantes, mas depois, do ponto de vista de mentoria, de acompanhamento técnico e, sobretudo, de resposta industrial, há um défice muito grande nos vários países.


Mónica Neto fez balanço destas 50 edições, revelou as novidades e apontou as direções para o futuro do evento


Como coabita um projeto desses com o Portugal Fashion, que tem no seu ADN promover a moda dos designers nacionais?
Surpreendentemente tem coabitado de uma forma muito interessante do ponto de vista de, sobretudo, sinergia com a indústria local, ou seja, deu-nos alguma abrangência global de calendário, alguma diversidade, até mesmo aquilo que é o feedback dos parceiros internacionais que têm vindo é muito positivo, porque na verdade este tipo de projetos também acontece em Milão, também acontece em Paris, portanto não é propriamente tão diferenciado. Depois sentimos que eles podem trazer negócio, até mesmo para a componente industrial e há uma expectativa de envolver muito a indústria não só em fornecimento, mas também até em algum know-how, porque há interesse de investidores africanos de receber informação e de receber quase que uma transição de conhecimento para criar unidades industriais também em África. Portanto, desse ponto de vista de investimento e de captação de investimento, há uma estratégia que, a médio/longo prazo, também se pode capitalizar para bem da nossa indústria e do nosso ecossistema de moda.

O que diferencia o Portugal Fashion de outros eventos da mesma natureza?
Se calhar um dos fatores diferenciadores é a nossa capacidade de resistência a uma série de questões que têm dificultado o trabalho de promoção da moda portuguesa, mas, acima de tudo, dentro dessa resistência, sente-se uma evolução e é uma evolução com reconhecimento, porque temos tido, de alguma forma, a ousadia e até, se calhar, a coragem de fazer algumas mudanças que podem parecer impercetíveis e relativamente silenciosas, mas que têm tido algum impacto. Uma delas é o showroom, que é, no fundo, o quebrar com uma lógica até de evolução que vínhamos a fazer com o conceito Brand Up, que se estava a tornar um mercado, que se estava a abrir à cidade, que estava já a partir até para a lógica de venda direta e de aproximação ao consumidor. Nesta edição, em que até há um aliviar de restrições e até é possível ter mais público, decidimos que tínhamos de voltar à essência de showroom e de realmente focar o evento na sua componente mais profissional, de ser um espaço exclusivo ao que está a acontecer na passarelle e, acima de tudo, ser um espaço dinamizado a pensar em negócio. Temos a nossa showroom manager, a Carla Reis, que é uma pessoa que tem apoiado a evolução comercial de muitos designers ao longo destes últimos anos e que, durante estes dias, fez também um trabalho inédito no Portugal Fashion, desde reuniões a sessões de networking, até a alguma dinâmica quase de mentoria em relação à forma como se deve apresentar uma marca e receber os compradores.

Que compradores estiveram cá?
Obviamente que isto foi uma fase de muita aprendizagem. Fizemos uma call que envolveu não só meios próprios, como até bases de dados da própria Carla Reis e a AICEP, que fez uma auscultação ao mercado. Tivemos cá, por exemplo, o CEO da Tranoï, que tem sido parceiro da Semana Oficial de Moda de Paris e que, à partida, será também um parceiro do Portugal Fashion na próxima edição – à partida, em outubro estará cá para ele próprio trazer alguns desses compradores para Portugal e para promover aquilo que são as ligações internacionais do Portugal Fashion.
 

Com essa vertente comercial, as datas do Portugal Fashion poderão ser antecipadas, para se aproximarem das feiras de moda profissionais?
Se calhar essa é uma segunda parte da mudança que se pode vir a fazer, mas acima de tudo nesta fase o que temos sentido é que é muito importante, pelo menos, o contacto com o mercado que se faz aqui. Ou seja, pode não ser consequente na encomenda desta estação, mas é bastante consequente na ligação ao mercado, na credibilidade do mercado, inclusivamente até por todo o lado industrial que temos à volta e que estes compradores têm muito interesse em conhecer e perceber, até da própria consistência como produção da semana de moda, porque é óbvio que é muito bom ouvi-los dizer que temos uma capacidade de produção grande, que somos organizados, que ficam admirados até com a qualidade do que veem na passarela, do trabalho de produção de bastidores, etc. Percebemos que é uma expectativa negativa que vem na base deste elogio, portanto isso quer dizer que realmente esta surpresa que eles sentem é uma imagem que, de alguma forma, aqui é melhorada pelo contacto direto. Mudar as datas obviamente está em cima da mesa por essa questão da consequência da encomenda, da venda, etc., mas se calhar não é um processo que precise ser tão imediato. Até porque depois fazemos ações comerciais fora, onde, aí sim, estamos no momento certo e se calhar se podem tornar mais consistentes os contactos como consequência do que depois já se criou de aproximação aqui.


Maria Carlos x Inês Manuel


Como está hoje estruturada a vertente internacional do Portugal Fashion?
Acima de tudo temos a intenção de obviamente manter as relações que têm sido cada vez mais consistentes com os mercados tradicionais das principais semanas de moda internacionais, nomeadamente de Milão, de Paris e de Londres, que têm sido onde temos retirado mais fruto e mais estratégicas para os designers portugueses, inclusivamente com conquistas de calendários oficiais que eram até inesperadas. Também sentimos que é um momento em que o lifestyle português, a tradição portuguesa e a renovação até artesanal daquilo que é o saber fazer português neste momento são um fator competitivo grande, que também fará parte da nossa promoção internacional. Ou seja, sentimos que é uma fase em que faz sentido promover ações complementares àquilo que têm sido os desfiles e as ações de moda per si porque, realmente, estamos num momento em que a recetividade em relação ao que é tradicional e ao que é um país como Portugal do ponto de vista de cultura de saber fazer bem, é um fator competitivo que alavanca bem projetos como os dos designers portugueses.

Estamos a falar especificamente de que tipo de ações?
Estamos a falar de showcases que podem levar muito mais do que a moda – podem levar a cultura portuguesa, expressões artísticas, gastronomia, vinhos, ou seja, outras áreas que são tradicionais, que também estão renovadas e que, no fundo, acabam por fazer sinergias com aquilo que é a moda e a criação de autor.

Como gostava de ver o Portugal Fashion evoluir no curto/médio prazo?
Acho que todos nós quando abraçamos um projeto, temos necessidade de o ver diferenciado de tudo o que já existe. Portanto, a nossa meta é que, a nível global, mas sobretudo a nível europeu, o Porto e o Portugal Fashion possam de alguma forma ser um hub diferenciado por alguns motivos-chave e, obviamente, esses motivos têm que ser uma diferença na comunicação e na promoção, mas sobretudo um conjunto de case studies interessantes e de sucesso. Portanto, vamos ver se a curto/médio prazo conseguimos ser mais referenciados como a plataforma de moda que faz algo de muito diferente de outras. Obviamente não podemos competir com Paris, com Milão, com Londres, que estão há anos e anos e que têm marcas, enfim, com uma capacidade de marketing, com um histórico e com budgets brutais, mas podemos ter um lugar diferenciado e ter os nossos casos de sucesso.

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