Helena OSORIO
15 de mar. de 2022
O negro escultórico nas novas coleções de Valentim Quaresma e Lidija Kolovrat
Helena OSORIO
15 de mar. de 2022
Valentim Quaresma e Lidija Kolovrat já nos habituaram a um trabalho escultórico como aquele que apresentaram na última edição da ModaLisboa - Lisboa Fashion Week, desta vez com um sentido mais bélico, porventura homenageando as mulheres da guerra na Ucrânia; e não apenas, pois também surgem looks masculinos em ambas as coleções, que foram pensadas antes de o conflito ter começado. Quase como se os designers tivessem visionado os heróis mártires do momento. Mas há ainda um certo humor que inspira as artes circenses, ou que ironiza (quiçá) o próprio mundo em que vivemos como um grande palco de palhaços. Uma interpretação possível.
Essencialmente, assistimos aqui à elevação da moda a pura arte, onde o negro com apontamentos de cor, realça as formas inusitadas e exclusivas. Em Quaresma, o preto e também o amarelo, rosa, verde, vermelho, em materiais do domínio do designer, mas sempre inesperados na sua combinação, como sejam o alumínio, algodão, poliéster, poliamida e neoprene. Em Kolovrat, o preto, mas também o vermelho e branco, que "criam todas as tonalidades de rosa", diz a ModaLisboa no site.
Nem numa coleção nem na outra, o negro que é enfim a mistura de todas as cores se fecha na sua totalidade.
A coleção de Quaresma intitulada Innerbloom trabalha a luz na escuridão, como ponto de partida. Formas de elmos e armaduras, cotas de malha e peitoris trabalhados como joalharia, insinuando o corpo de quem veste e a alma de quem cria.
"A manipulação e a recuperação de desperdício têxtil estão na base da construção de peças fluídas com um carácter orgânico, conseguidas através de múltiplas texturas e formas, e contrastando com a rigidez e frieza do alumínio existente nas joias", salienta a ModaLisboa.
A coleção Are Ghosting Us da artista natural da Bósnia radicada em Lisboa fala também de sexualidade sem género: "Máscaras que criámos para os padrões" ou "aspetos misteriosos", num "jogo de fumo e espelhos que é o mundo da moda", acrescenta.
O negro de Lidija Kolovrat – fundadora da marca Kolovrat, que exibe regularmente videoarte e instalações em galerias e museus – apesar de privilegiar formas próximas de uniformes militares como íntimas, em rostos pintados como para rituais (também podendo ser interpretados como a maquilhagem de palhaços) torna-se assim, e ao mesmo tempo, lúdico nos desenhos que risca nos corpos dos manequins do alto das suas plataformas, e nos tecidos gráficos e/ou óticos.
Peças de moda únicas e especiais, tanto saídas do atelier de Valentim Quaresma como daquele de Lidija Kolovrat, onde a diferença e o risco dão o mote, apesar de ligadas ao mundo no pior do seu cerne e no melhor da criação.
Isto, também a propósito de quem comete crimes de guerra que se multiplicam a olhos vistos, na Ucrânia, sem que a voz de um deus maior fale mais alto, por toda a humanidade.
A moda ditada por Quaresma e Kolovrat leva a mensagem.
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